1. INTRODUÇÃO
Em fevereiro de 2020, iniciei um período de intercâmbio no curso de cinema da Universidade da Beira Interior em Covilhã, Portugal. Nas primeiras semanas, me chamou atenção o fato de que a formatação geral do curso não era muito diferente daquela que eu havia presenciado aqui no Brasil, no curso de audiovisual da Unisinos. O pensamento por trás do planejamento das disciplinas e da progressão do ensino apresentavam diferenças muito sutis, e o formato das aulas também era muito semelhante. Excetuando-se o fato de que o curso da UNISINOS possui um caráter ligeiramente mais prático do que teórico em comparação com o curso da UBI, de resto era quase como se eu estivesse repetindo as disciplinas cursadas no Brasil. Havia, no entanto, um elemento de destaque que parecia muito presente no curso de cinema português e que no brasileiro era praticamente ignorado: o vídeo-ensaio.
Naquele momento, eu tinha apenas uma lembrança de menção feita a vídeos-ensaios no âmbito do curso no Brasil: em 2018, em uma aula da disciplina de montagem, nosso professor mostrou dois dos mais famosos trabalhos do vídeo-ensaísta americano Kogonada. Um deles, em particular, permaneceu em minha lembrança de maneira mais clara e na época teve grande efeito sobre toda a turma. Trata- se do vídeo-ensaio Hands of Bresson (Kogonada, 2014), no qual é operado aquilo que Bateman (2016) define como supercut:
Coleção de imagens ou sons organizados em uma categoria ou usados para decompor um filme em um conjunto de elementos. Geralmente é curto e carece de texto para maximizar seu impacto no nível visual (Bateman, 2016, s/p)1.
Creio que o que mais teve efeito sobre mim naquele momento foi a maneira como o trabalho de Kogonada articula o poético com o analítico. No vídeo em questão, o autor seleciona e põe em sequência diversos momentos de filmes do cineasta francês Robert Bresson em que as mãos são retratadas em planos-detalhe, ocupando toda a tela. Além de belo, o vídeo também possui uma surpreendente capacidade de caráter analítico. Surpreendente, pois, mesmo com uma estrutura e premissa tão simples -as técnicas de edição utilizadas no vídeo são das mais simples, e qualquer pessoa com conhecimento básico de um software de edição seria capaz de reproduzi-las- o trabalho consegue expressar uma visão poética que, ao mesmo tempo em que serve como experiência estética, serve também como produção de pensamento a respeito de um filme.
Outro ponto significativo que se sobressai é que tal produção de pensamento operada pelo vídeo- ensaísmo não se dá de maneira absoluta, fechada: tal como um ensaio no sentido francês da palavra (Barros & Santos, 2019), Hands of Bresson não possui a pretensão de estabelecer uma verdade universal a respeito da representação das mãos no cinema de Bresson. Trata-se de uma tentativa de reordenação de elementos para produzir um pensamento do tipo aberto, que pode auxiliar na melhor compreensão de determinado aspecto do mundo, mas seus sentidos mantêm-se em constante transformação.
De volta a 2020, me deparo com certa popularização no uso do vídeo-ensaio no curso de cinema da UBI. Em muitas das disciplinas, a realização de um vídeo-ensaio era um dos exercícios exigidos, ou então havia a opção de se realizar um ensaio audiovisual ao invés de um texto convencional. Me impressionava o fato de os professores mencionarem essa atividade aos alunos sem entrar em maiores detalhes, e ninguém questionar sobre essa atividade, como se fosse algo corriqueiro.
No entanto, as coisas se passavam dessa maneira apenas nas disciplinas da graduação, nas quais a imensa maioria dos alunos eram portugueses. Curiosamente, o curso de mestrado em cinema da UBI era composto majoritariamente por brasileiros, e nas disciplinas de mestrado que pude participar, a relação com o vídeo-ensaio era muito diferente. Tanto era assim que, em uma dessas disciplinas, o professor dedicou uma aula inteira apenas para falar sobre vídeo-ensaio, visto que era uma atividade obrigatória para aquela disciplina.
O professor em questão nos mostrou diversos exemplos de vídeos-ensaios, elencou as diretrizes, os critérios de avaliação, e nos deu cerca de um mês para concluir a atividade. Ao longo daquele mês, fui atrás de muitas das referências de vídeo-ensaístas que nos haviam sido passadas, e me surpreendi com o trabalho de Kevin B. Lee. Ao contrário de Kogonada, Lee utiliza uma grande quantidade de texto em seus trabalhos, mas de uma maneira bastante peculiar. Seus vídeos enquadram-se naquilo que Bateman (2016) define como desktop video, isto é, além de manipular os filmes que analisa, Lee também grava a própria tela de seu computador enquanto realiza sua edição ou então incorpora de alguma maneira imagens de suas telas de modo a fazer com que isso defina a forma de seus vídeos. Em trabalhos como Right Now Then Wrong (Lee, 2016), Lee empreende uma desconstrução do uso de textos e voice over em vídeos-ensaios, aproveitando-se de maneira inusitada dos recursos do meio digital e diversificando ainda mais as possibilidades de reflexão a respeito do audiovisual.
Naturalmente, o que tentei fazer em meu exercício final para a disciplina era fortemente inspirado pelo trabalho de Kevin B. Lee. No entanto, meu trabalho desagradou muito o professor português. Fui repreendido pela enorme quantidade de textos que utilizei, e ele me incentivou a refazer o trabalho futuramente focando na tentativa de diminuir o uso de textos e intensificar a manipulação de sons e imagens. Para meu consolo, no entanto, não fui o único a ser repreendido: a quase totalidade da turma, majoritariamente formada por brasileiros, teve suas tentativas de vídeo-ensaio renegadas e duramente criticadas.
1.2 Direcionamentos iniciais
Em uma palestra sobre vídeo-ensaio na Universidad Torcuato Di Tella, em 2019, a acadêmica britânica Catherine Grant, uma das mais importantes vídeo-ensaístas no mundo, traz uma frase de Laura Mulvey a respeito de alguns pontos nos quais as novas tecnologias podem auxiliar no estudo acadêmico: “para o pensamento associativo, [para] reflexão sobre ressonância e conotação, [para] a identificação de pistas visuais, a interpretação da forma e estilo cinematográficos e, finalmente, devaneio pessoal” (Mulvey, 2006, 146-147). Este último ponto era o preferido de Grant, e ainda que Mulvey não esteja se referindo especificamente a ensaios audiovisuais, é a partir dele que Grant desenvolve boa parte de seu pensamento acerca das possíveis contribuições do ensaísmo audiovisual nos estudos das mídias digitais. Voltaremos ao pensamento de Grant mais adiante.
Portanto, meu relato pessoal no subcapítulo anterior não pretende apenas introduzir a problemática do descaso em relação ao vídeo-ensaio no meio acadêmico brasileiro. Busco também reafirmar a noção trazida inicialmente por Mulvey e depois desenvolvida por Grant de incorporação do devaneio pessoal na metodologia e na prática da pesquisa científica em ciências da comunicação, tanto na identificação de questões a serem trabalhadas quanto em seu modo de exposição. Acredito que o vídeo-ensaio seja uma linguagem muito rica e ainda pouco explorada, e que para aproveitarmos todas as suas possibilidades de contribuição acadêmica, é preciso que se estimule uma prática que vise sempre o novo, que articule os limites da linguagem audiovisual e, se possível, que busque ao máximo desvencilhar-se de normas rígidas de sistematização metodológica utilizadas convencionalmente em trabalhos escritos.
Dessa forma, este trabalho pretende fazer uma análise a respeito da atual pesquisa acadêmica relacionada ao vídeo-ensaio no Brasil. Para tanto, foi feita uma pesquisa em três dos principais repositórios de trabalhos acadêmicos disponíveis online (Scielo, Google Acadêmico e Academia.edu) na busca de artigos científicos sobre vídeo-ensaio escritos por brasileiros nos últimos 15 anos. A partir disso, foram selecionados cinco artigos para serem analisados mais detalhadamente. O principal critério de seleção foi, além da qualidade da pesquisa e do referencial teórico, prezar por trabalhos que vão além da análise de vídeos-ensaios específicos e estabelecem propostas de avanço na pesquisa no campo do ensaio audiovisual.
2. O Estado das Coisas
Uma rápida passada de olhos sobre os resultados da busca pelo termo “vídeo-ensaio” nos repositórios online dá uma boa noção da variedade em que o audiovisual vem sendo usado em diferentes campos da ciência. Destaca-se o alastrado uso que percebe-se do uso de audiovisual nos estudos de educação: de instrumento didático utilizado por licenciandos de biologia a estudos de alfabetização científica, e também o seu uso na antropologia. Nas artes e nas ciências da comunicação, no entanto, são poucos os trabalhos acadêmicos que enquadram-se no enfoque deste estudo. Foram encontradas três monografias a respeito do tema, mas nenhuma dissertação de mestrado ou tese de doutorado. Quanto aos artigos, destacamos cinco trabalhos, a fim de estabelecer uma melhor compreensão acerca do pensamento sobre vídeo-ensaio desenvolvido no país até o momento.
Cinco artigos foram selecionados para a análise: “O Impacto da Produção de Vídeos Ensaios nas Mídias Digitais” (Pereira do Vale, 2018), “O vídeo-ensaio como Instrumento Acadêmico” (Dos Anjos, 2021), “O Ensaio Audiovisual como Jogo Discursivo, Narrativa Expandida e Experiência Estética Interacional” (Barros & Santos, 2019), “O Vídeo Ensaio como Signo do Cinema” (L. G. Teixeira, 2021) e “Os vídeos Ensaios Sobre Cinema e suas Possibilidades” (E. Teixeira, 2019). Apenas três destes trabalhos possuem de fato propostas diferenciadas para a incorporação do vídeo-ensaio no meio acadêmico, e serão a estes que nos dedicaremos a uma análise mais profunda.
2.1 Questões de Origem
Praticamente todos os trabalhos pesquisados para o presente artigo -mesmo aqueles que não estão entre os cinco selecionados- dedicam uma parte inicial para determinar alguns pontos em comum: a definição do termo “vídeo-ensaio”, a diferenciação entre vídeo-ensaio e filme-ensaio, as origens do termo ensaio na literatura e a definição dos precursores materiais e autorais do vídeo-ensaísmo. Assim, é natural que alguns autores se repitam entre os diferentes artigos estudados aqui, e decidimos ilustrar isso no quadro abaixo para auxiliar nessa visualização, mostrando autores que se repetem ao menos uma vez em mais de um dos artigos estudados (Tabela 1):
Barros e Santos, 2016 | Dos Anjos, 2021 | Pereira do Vale, 2018 | E.Teixeira, 2019 | L.G.Teixeira, 2021 | |
Adorno, Theodor | ✓ | ✓ | ✓ | ✓ | |
Bordwel, David | ✓ | ✓ | |||
Corriga, Timothy | ✓ | ✓ | ✓ | ||
Dubois, Phillipe | ✓ | ✓ | ✓ | ||
Grant, Catherine | ✓ | ✓ | |||
Jenkins, Henry | ✓ | ✓ | |||
Machado, Arlindo | ✓ | ✓ | |||
McWhirter, Andrew | ✓ | ✓ |
Não é por acaso que Adorno (2003) aparece em quatro dos cinco artigos, visto que o autor escreveu O Ensaio Como Forma, um dos mais influentes textos no campo do ensaísmo e um dos principais responsáveis por resgatar o prestígio da forma ensaística no meio intelectual alemão. Adorno -tendo Lukács (1974) como um de seus referenciais- preza o ensaio como uma das formas de combate a certa objetividade obtusa e dogmática a que o positivismo havia levado o pensamento europeu, de meados do século XIX até a primeira metade do século XX. É contra a padronização, a uniformidade do pensamento e o ideal puritano nos estudos acadêmicos a que Adorno e Lukács irão se colocar contra, e a forma ensaística surge como uma resposta à altura. Barros e Santos (2019) destacam justamente esse aspecto transgressor do ensaio, atentando para seu importante papel no combate à instrumentalização da razão a que o positivismo tenta forçar sobre o pensamento científico.
Para L. G. Teixeira (2021), o vídeo-ensaio é um transporte para o audiovisual da noção que Adorno traz do ensaio como uma forma definida pelo fragmentário, por um “radical não-radicalismo”, pela negação à redução a um princípio totalizante e por dar destaque ao parcial diante do total. Além disso, penso que é também muito feliz o diálogo que ele faz com Arlindo Machado, ao trazer uma citação na qual o brasileiro reforça a ideia de Adorno de combate à ideia de uma suposta dicotomia entre a experiência sensível e a cognitiva. Já dos Anjos (2021) apenas menciona Adorno rapidamente, atentando para o fato de o alemão definir o ensaio como uma forma livre e aberta, mas não desprovida de rigor. Por fim, E. Teixeira (2019) enfatiza o caráter subjetivo da reflexão ensaística.
Timothy Corrigan (2015) é citado em três dos artigos com seu livro O filme-ensaio: Desde Montaigne e depois de Marker, provavelmente a principal referência bibliográfica em filme-ensaio. Corrigan coloca o filme-ensaio entre o cinema experimental e o documentário, com diversas variações que podem jogá- lo mais para um lado, ou para o outro, e destaca um elemento em particular: a presença constante da reflexão subjetiva, não apenas como tema, mas incorporada de alguma maneira na forma dos filmes. A partir disso, as variações que ele determina dentro do gênero (ensaios de viagem, ensaios de retrato, diários ensaísticos, ensaios autobiográficos) seriam basicamente variações nos modos de operacionalizar essa subjetividade. Outro elemento crucial para a essência do filme ensaio seria o encontro, a experiência pública que permeia o modo como a subjetividade é articulada e se mostra para o mundo, o que levará Corrigan a cunhar o conceito de sujeito ensaístico.
E. Teixeira (2019) cita Corrigan quando este fala a respeito da metarrepresentação no cinema, algo que é muito característico de alguns filmes-ensaios, e que talvez seja um dos elementos mais essenciais do vídeo-ensaísmo: uma reflexão audiovisual a respeito do próprio audiovisual. L. G. Teixeira (2021), por sua vez, busca em Corrigan uma citação para auxiliar na definição de filme-ensaio, na qual o autor destaca o caráter subjetivo da empreitada. Por fim, Pereira do Vale (2018) traz o conceito de ensaios refrativos, uma das categorizações que Corrigan aplica aos filmes-ensaios, como sendo a variação que mais se aproxima dos vídeos-ensaios. O americano define os filmes-ensaios refrativos como aqueles que dedicam-se a analisar outros filmes ou então outras obras de arte, e um dos exemplos mais fundamentais é o curta-metragem Van Gogh (1948), de Alain Resnais. Pereira do Vale também ressalta como Corrigan via nos conteúdos extras de dvd’s e blurays de filmes o exemplo mais representativo do ensaísmo refrativo até então (o livro de Corrigan é de 2011, época em que os vídeos-ensaios ainda não eram tão populares). Isso é crucial para o estudo das origens do vídeo-ensaio, pois introduz a questão das materialidades desta mídia.
Estes conteúdos extras, que surgiram como parte de uma estratégia para auxiliar nas vendas dos filmes em mídia física (como sendo um diferencial que não se poderia obter apenas indo até o cinema ou obtendo uma cópia pirata) geralmente incluem vídeos de making off da produção e entrevistas com os diretores e demais integrantes da equipe técnica, atores e atrizes e também comentários analíticos de pesquisadores e críticos de cinema. Dos Anjos (2021) aponta os extras de dvd’s, os filme-ensaios e também algumas experiências da televisão como três principais precursores do vídeo-ensaio. As experiências televisivas a que o autor se refere são principalmente a série Histoire(s) du cinéma (1988- 1998) realizada pelo cineasta Jean-Luc Godard para a emissora Canal +. Outra experiência televisiva importante e também vinda da França é a série Cinéastes de Notre Temps (1964-1972), da emissora ORTF. Pereira do Vale (2018, 4), no entanto, vai além e lembra o papel de uma mídia anterior ao dvd, o laserdisc, mostrando como ele já possuía conteúdos extras ensaísticos e trazendo o exemplo do lançamento em laserdisc de Cidadão Kane pela Criterion, em 1984. De toda forma, os vídeos-ensaios a que se referem os artigos aqui estudados fazem parte do contexto digital, e o surgimento do vídeo é algo central para a história da materialidade desta mídia.
Philippe Dubois, outro autor citado em três dos artigos, justamente por sua pesquisa acerca do vídeo, no livro Cinema, Vídeo, Godard (2018). Tanto Dos Anjos (2021) quanto L. G. Teixeira (2021) destacam o mesmo ponto: o modo pelo qual Dubois enxerga o vídeo, como sendo não apenas uma mídia, mas um modo de pensar. Não apenas uma mídia que pensa o cinema, mas que, por meio dos vídeos-ensaios também “faz o cinema pensar”. É por isso que o teórico Dubois (2014) define o vídeo como um “estado- imagem”. Pereira do Vale (2018), por sua vez, traz um comentário de Dubois a respeito do trabalho ensaístico de Jean-Luc Godard com o vídeo, enfatizando o modo como o cineasta francês utiliza esta mídia para refletir sobre o cinema.
Falar sobre origens e precursores é algo bastante complexo quando se aborda uma nova tecnologia, linguagem ou metodologia, por isso há dois pontos importantes nos quais é preciso tomar bastante cuidado ao se tocar. Primeiramente, há a questão da cronologia, que é importante não só para a compreensão da formulação de determinado modo de pensamento, mas também por influenciar nas formas de inovação que estão por vir. A contribuição de do Pereira do Vale (2018) atentando para o laserdisc como algo anterior aos extras de dvd’s me parece algo central não só por seu achado em si, mas também por incluir uma questão importante a respeito das origens midiáticas e materiais do vídeo-ensaio. Aqui, a famosa frase de Elsaesser continua a fazer muito sentido: “o presente lança novas luzes sobre o passado e permite pensar outros futuros” (2018, 10).
Em segundo lugar, há a questão dos precursores. Se o ponto da cronologia tecnológica possui importância em relação à história dessa mídia, o marco de possíveis precursores possui influência direta no próprio modo de produção e utilização dos vídeos-ensaios. A escolha pelos filmes-ensaístas franceses da década de 1960 não é ruim, mas certamente é a mais óbvia e merece ser questionada. Parece surpreendente o fato de que ninguém até o momento tenha atentado para alguns dos cineastas experimentais da primeira metade do século XX que se dedicaram, assim como fazem os vídeo-ensaístas do século XXI, à manipulação de found-footage. A obra dos americanos Joseph Cornell e Bruce Conner e dos austríacos Martin Arnold e Peter Tscherkassky parecem conter muitos elementos semelhantes aos dos vídeos-ensaios mais recentes. Assim como os mais recentes vídeos-ensaios, os filmes destes cineastas também eram curtos (geralmente menos de 20 minutos); não eram feitos para serem exibidos em cinemas convencionais (costumavam ser exibidos em galerias de arte), manipulavam de maneira criativa o material found-footage de filmes conhecidos, dificilmente utilizavam voice over ou textos e, mais importante, empreendiam profundas incursões na reflexão a respeito da forma, da realização e, sobretudo, da recepção cinematográfica.
3. As Principais Proposições
3.1. Uniformização e Estruturação
O artigo O vídeo-ensaio como Instrumento Acadêmico (Dos Anjos, 2021) foi um dos primeiros trabalhos acadêmicos a respeito do tema com que tive contato, quando assisti a apresentação do autor na SOCINE de 2021. O trabalho de dos Anjos me chamou atenção por ser um dos mais completos, pois contém todos os pontos de interesse em nossa abordagem: ele introduz a questão da definição do termo, aborda as origens literárias e cinematográficas do ensaio, apresenta as categorizações de diferentes autores e, o mais importante, propõe um modelo de utilização na pesquisa acadêmica.
Dos Anjos é o único a dedicar um capítulo inteiro para a definição do termo vídeo-ensaio. Mesmo que não seja um capítulo tão extenso, é exemplar no modo em como traz definições e categorizações de três diferentes autores, que se complementam muito bem. Ele traz as definições de Andrew McWhirter, que estabelece os vídeos-ensaios como peças de crítica de curta duração, e Christian Keathley, que enumera algumas das características mais representativas, como a presença de um narrador, e propõe a existência de dois tipos de vídeos-ensaios: os explicativos e os poéticos. Dos Anjos também é um dos poucos autores a introduzir uma reflexão acerca do conceito de vídeo, e destaca esse aparato como um dos possibilitadores para a disseminação do vídeo-ensaísmo:
O vídeo acabou se tornando outro suporte para essa natureza ensaística devido à facilidade de produção e manipulação de arquivos no formato que possibilitam as criações e expressões de pensamentos em uma vídeoescrita (Dos Anjos, 2021, 4).
O trabalho de dos Anjos também é um dos poucos a tocar na questão das tensões históricas entre a crítica cinematográfica e seu objeto de estudo audiovisual. Historicamente, muito já se falou a respeito da dificuldade de se transpor à altura para o texto aquilo que é expresso nos filmes, e os vídeos-ensaios poderiam ser uma forma de aproximação, utilizando o audiovisual para crítica audiovisual. Dos Anjos cita o trabalho de dois pesquisadores, Catherine Grant e Adrian Martin, como exemplo de vídeo-ensaístas acadêmicos que se opõem ao uso demasiado de texto em seus trabalhos.
O problema, para dos Anjos, é que os trabalhos de Grant e Martin acabam por configurar vídeos- ensaios muito mais poéticos do que explicativos, e que isso dificultaria a compreensão do objetivo principal dos vídeos por parte de muitos espectadores. Assim, ele se coloca de acordo com o pensamento dos pesquisadores Thomas Van den Berg e Miklos Kiss (2016), autores responsáveis pela elaboração de uma proposta bastante específica para o vídeo-ensaio no meio acadêmico. Dos Anjos acrcedita que estes autores ajudam a perceber como o vídeo-ensaio poderia ser utilizado como
instrumento de pesquisa acadêmica objetiva e de que maneira existiria uma maior uniformidade nesses trabalhos para que sejam reconhecidos como acadêmicos ou sujeitos a critérios avaliativos específicos, uma vez que são aceitos em revistas e periódicos (Dos Anjos, 2021, 6).
Esta fala de dos Anjos, no entanto, apresenta uma forte incongruência em relação à própria definição de ensaio. Se é justamente a falta de um discurso fechado, a abdicação a uma estrutura totalizante e um “radical não-radicalismo” (Adorno, 2003) os elementos que definem um ensaio por excelência, me parece extremamente problemática a ideia de propor uma uniformidade ao vídeos-ensaios, mesmo àqueles que se pretendem acadêmicos. A suposta necessidade de “estarem sujeitos a critérios avaliativos específicos” para periódicos também não faz sentido, visto que foi justamente Catherine Grant que fundou a primeira revista acadêmica dedicada a vídeos-ensaios no mundo2, e a falta de uniformidade não é um problema para a revista.
Na esteira do pensamento de Kiss e Van den Berg, dos Anjos menciona como um empecilho o fato de que vídeos-ensaios como os de Grant não seriam capazes de caracterizar produtos autônomos, pois sempre teriam a necessidade de um texto de acompanhamento.
(…) vídeos-ensaios de pesquisadores como Catherine Grant são exibidos com textos complementares ou artigos que tecem comentários sobre o seu processo ou a respeito da intencionalidade do vídeo. Isso reforça a ideia de que os vídeos-ensaios, nesse âmbito, não conseguem expressar por si só a clareza, objetividade e o caráter informativo esperado em estudos acadêmicos (Dos Anjos, 2021, 7).
De fato, muitos dos trabalhos de Grant e outros teóricos apresentam textos complementares, mas o que Van den Berg, Kiss e dos Anjos parecem não ter compreendido é que as propostas de vídeo- ensaísmo como as de Grant e Martin -inspiradas pelo modo de realização de Godard, Farocki e outros- não pretendem simplesmente eliminar o texto dos trabalhos, mas sim estabelecer reflexões cujos conceitos, metodologia, teoria e prática sejam, em essência, audiovisuais. O objetivo do vídeo-ensaísmo praticado por estes pesquisadores nunca foi eliminar a reflexão escrita dos trabalhos, mas sim desenvolver modos de se pensar e expressar conceitos e proposições audiovisualmente. Nenhum vídeo-ensaio jamais se bastará por si mesmo, independente da quantidade de texto que possuir, assim como nenhum trabalho sozinho é autossuficiente; é necessário o diálogo com outros trabalhos da área ou de campos distintos, quer utilizem metodologias diferentes ou semelhantes. Não há sentido em querer que vídeos-ensaios acadêmicos sejam qualificados por critérios de clareza, objetividade e informatividade, visto que seu grande mérito está no potencial de explorar uma linguagem como a audiovisual, que tem por natureza a ambiguidade como um de seus elementos essenciais.
Tal ambiguidade, por sua vez, jamais representará um problema para a aceitação de vídeos-ensaios como instrumentos acadêmicos, principalmente se levarmos em conta aquilo que Walter Benjamin (1994) nos fala sobre as imagens dialéticas. Para o autor alemão, somente as imagens dialéticas é que são autenticamente históricas, e para Benjamin, ser histórico significa, efetivamente, não ser arcaico e contribuir para o desenvolvimento do pensamento. Outro autor que aborda a multiplicidade de sentidos das imagens como algo necessário é Didi-Huberman (2018). Influenciado por Walter Benjamin e Aby Warburg, o francês propõe o atlas mnemosine de Warburg como um modelo de abordagem para os estudos relacionados à estética, de modo que estes estudos nunca busquem uma definição totalizante, mas que desenvolvam-se, justamente, no atrito entre as diferentes concepções que podem surgir acerca das imagens; e, no caso dos vídeos-ensaios, também sobre os sons. Didi-Huberman propõe a noção de atlas do conhecimento em detrimento da ideia de um dicionário, pois, segundo ele, um dicionário das imagens só faria com que estas perdessem seu caráter dialético.
Além desses nomes já citados, há também outro importante autor a prezar pela diversidade de metodologias: Paul Feyerabend. O epistemólogo da física é bastante direto em sua crítica à uniformização epistemológica na ciência, e advoga em prol de uma metodologia científica livre. Feyerabend acredita que só poderá haver de fato progresso científico quando a ciência deixar de lado as regras e dogmas que incorporou ao longo dos séculos. Para o autor, é preciso que o pensamento científico incorpore também as características de seu objeto de pesquisa, mesmo que isso signifique um “mau uso da linguagem”:
(...) somos obrigados a recorrer às formas de expressão existentes, que não tomam em conta aqueles processos e precisam, pois, ser deturpadas, mal-empregadas, afeiçoadas a novos moldes, para se adequarem a situações imprevistas (sem um constante mau uso da linguagem não pode haver descoberta ou progresso) (Feyerabend, 1977, 33).
Além disso, na esteira de Benjamin, Feyerabend também preza pelo pensamento dialético como forma de transgressão às regras e limitações dogmáticas no campo científico: “o pensamento dialético surge como uma forma de pensamento que reduz ao nada as pormenorizadas determinações de compreensão, inclusive a lógica formal” (Feyerabend, 1977, 34). Dessa forma, é provável que estes autores também não estivessem de acordo com estrutura que Kiss e Van den Berg propõem para os vídeos-ensaios acadêmicos, que também é apreciada por dos Anjos, resumindo-a desta maneira:
a) exposição de tese explícita; b) argumentação objetiva; c) exposição de uma conclusão a respeito da tese explorada. Essa estrutura remete a uma aproximação com o ensaio propriamente dito e segue um modelo aplicado para a análise crítica sobre os filmes proposta por David Bordwell e Kristin Thompson (Dos Anjos, 2021, 7).
Esta passagem contém dois principais problemas: primeiramente, ao contrário do que dos Anjos argumenta, essa estrutura vai totalmente contra a ideia de ensaio propriamente dita. Desde Montaigne, passando por Lukács e Adorno até chegarmos em Corrigan, o entendimento acerca do conceito de “ensaio” jamais incorporou tal objetividade e especificidade a que Kiss e Van den Berg propõem. Pelo contrário, foi justamente a potencialidade contida no ensaio de transgressão às estruturas convencionais prezadas pelos positivistas o que tanto chamou atenção de Adorno e que posteriormente influenciaria os demais teóricos do ensaísmo. Barros e Santos (2019), em seu artigo “O Ensaio Audiovisual como Jogo Discursivo”, trazem uma noção que parece estar muito mais de acordo com a concepção de ensaio:
A Própria forma ensaística é rica nesse sentido, pois trabalha com o factual, rejeitando a noção de objetividade e instrumentalidade da linguagem, exercício reflexivo este no cerne de um tipo de ensaísmo em voga na contemporaneidade: o vídeo-ensaio (Barros & Santos, 2019, 119).
Barros e Santos também chamam atenção para a característica da autonomia do método contida no ensaio, que não pretende estabelecer verdades absolutas ou conclusões totalizantes, algo que se choca com o terceiro ponto da proposição estrutural defendida por dos Anjos:
Lukács e Adorno observam com referência sobretudo o ato de investigar os objetos de uma forma profunda, porém sem a pretensão de se chegar a uma verdade universal. O que se busca é a reorganização dos conceitos e dos elementos do mundo a partir de um ponto subjetivo (Barros & Santos, 2019, 118).
Além disso, os autores também enfatizam o caráter de abertura do ensaio: mesmo possuindo rigor formal, o ensaio jamais se sujeitará a uma adequação pré-concebida na qual tentaria se encaixar. Muito pelo contrário, é a própria possibilidade de autonomia metodológica aquilo que define o ensaio por excelência:
[o ensaio] ao mesmo tempo que almeja significados, também reitera sua própria liberdade de enunciação. Justamente por se afastar da rigidez metodológica e de não se reduzir a princípios e regras formais, o ensaio possui a autonomia do método (Barros & Santos, 2019, 118).
Portanto, a proposta de uniformização de Kiss e Van den Berg possui como um de seus possíveis efeitos enfraquecer a linguagem do vídeo-ensaio, pois ataca justamente a possibilidade de autonomia do método contida na essência da prática ensaística. O segundo ponto problemático na fala acima de dos Anjos está em considerar a proposta de estruturação de Kiss e Van den Berg exemplar por estar de acordo com o modelo de análise cinematográfica proposto por David Bordwell e Kristin Thompson. Ora, está claro que o modelo proposto pelos americanos é voltado especificamente para textos críticos e analíticos, que por essência não possuem as mesmas características do ensaio.
Se a ideia é que o vídeo-ensaio sirva apenas como um veículo para transmitir o que poderia ser expresso em um artigo escrito, ele simplesmente não possui razão de ser. Parece muito mais interessante para o desenvolvimento dos estudos em audiovisual que se criem novas (com ênfase neste plural) estruturas voltadas para o ensaio audiovisual que sejam baseadas nas possibilidades da própria mídia audiovisual. Como bem lembram os pesquisadores vídeo-ensaístas Adrian Martin e Cristina Álvarez, esses trabalhos experimentais têm provado a capacidade de gerar novas formas de conhecimento nos estudos audiovisuais, portanto:
o verdadeiro desafio hoje é menos traduzir esse conhecimento de volta para a metalinguagem verbal ou literária convencionalmente ‘aceitável’ de descrição e teoria do que valorizar nossas descobertas nos próprios termos e no mesmo nível das propriedades estéticas e sensoriais de ritmo, cor, textura, afeto, etc. (Álvarez & Martin, 2015, 82)3.
Ou seja, ao invés de nos dedicarmos a buscar uma estrutura de enclausuramento para os vídeos- ensaios, poderíamos nos dedicar a uma busca por novas maneiras de expressão audiovisual, bem como de novos modos de investigação acerca dos produtos audiovisuais que consumimos.
3.2 Experiência e Performance
O artigo de Barros e Santos é um dos mais originais a respeito de vídeo-ensaio escrito no Brasil até o momento, e traz insights muito pertinentes não só a este campo específico, mas para os estudos de audiovisual em geral. Os autores possuem como uma de suas principais referências o catalão Domènech Català, que utiliza o conceito de de “giros” para abordar as transformações nas narrativas e formatos dos produtos audiovisuais de não ficção. Passando pelos giros subjetivo -ruptura com o documentário explicativo tradicional-, reflexivo, emocional, imaginário e onírico (sendo os dois últimos relacionados à inclusão de animação e experimentação), o catalão chega finalmente à ideia de um “giro lúdico” (Barros & Santos, 2019, 114) para interpretar a produção de imagens em um contexto permeado por tecnologias midiáticas. Citando Manuel Castells, os autores referem-se a essa contemporaneidade midiática como um espaço de fluxos:
Os atuais dispositivos de produção e circulação de audiovisuais criam novas dinâmicas de produção de sentidos. São experiências poéticas e estéticas difusas e em constante reelaboração, que dão novas dimensões aos jogos discursivos que têm nas imagens a sua matéria prima (Barros & Santos, 2019, 116).
Dessa forma, esses espaços de fluxos articulariam em si diversas dinâmicas de interação tecnológicas, e por isso a relação com o lúdico e, consequentemente, o ensaio audiovisual: produtos representativos da sociedade de fluxos, os vídeos-ensaios são, em resumo, fruto de uma possibilidade de interação lúdica com softwares de edição e acesso aos materiais audiovisuais de filmes e outras obras. Isso é importante pois toca na questão da relação entre obra e espectador, central para o estudo do vídeo-ensaísmo, visto que é uma atividade que multiplica e materializa a dinâmica espectatorial. Assim, os autores propõem o vídeo-ensaio como uma experiência imersiva e participativa, articulando a partilha de sensorial:
Trata-se de uma experiência estética, plena de estesia, na qual o objeto estético se oferece à percepção estética, dando lugar a novas experiências poéticas, criativas, imersivas e dialógicas, em jogos de compreensão (Barros & Santos, 2019, 116).
Essa concepção de experiência estética imersiva nos remete à noção de pesquisa performática, que é justamente uma das maneiras que Catherine Grant (2019) encontra para definir a atividade video- ensaística no meio acadêmico. Grant chama atenção para o fato de que um dos grandes méritos da pesquisa com vídeos-ensaios é que o próprio processo de edição, a performance do pesquisador vídeo- ensaísta, proporciona uma relação de desconstrução material da obra estudada que não seria possível de outra maneira. Nem mesmo a possibilidade de pausa, avanço e recuo que os dvd’s proporcionaram se assemelham, pois a manipulação possibilitada pela edição é muito mais rica e variada. Dessa forma, o processo de criação dos vídeos-ensaios proporcionam insights e reflexões essencialmente audiovisuais. A pesquisadora destaca como essa atividade exige o desenvolvimento de um pensamento material, quase como o de um químico em seu laboratório (Figura 1).
Outra noção interessante trazida por Barros e Santos (2019, 117) é que “o ensaio deixa visível os traços do pensamento”, e parece proveitoso pensar no vídeo-ensaio também desta maneira: a materialidade do vídeo-ensaio como possibilidade de expressão da materialidade do pensamento audiovisual. Naturalmente, como esses pensamentos podem assumir as mais diversas formas, é preciso que a prática ensaística mantenha-se aberta e sem a necessidade de corresponder a estruturas fechadas de realização.
3.3 O Signo
Em seu artigo “O Vídeo Ensaio como Signo do Cinema” (2021), L. G. Teixeira propõe uma abordagem semiótica do vídeo-ensaísmo, por meio do pensamento de Charles Peirce. Para o autor, os vídeos-ensaios são um indício de como a noção de estilo entre diferentes autores é um fato, pois este estilo permanece latente mesmo após as inúmeras manipulações exercidas pelo vídeo-ensaio: “não são exatamente os filmes que resistem através da reconfiguração do vídeo ensaio (pensando que o signo é aquilo que resiste diante do processo de semiose), mas sim o estilo do diretor” (L. G. Teixeira, 2021, 7).
L. G. Teixeira utiliza como principal exemplo o canal de Youtube “Every Frame a Painting”4, tido como um dos pioneiros do vídeo-ensaísmo no Youtube. Considera o canal como um dos mais representativos do gênero, e utiliza alguns de seus vídeos como exemplos de sua tese. Interessa ao autor o modo pelo qual os vídeos-ensaio ressignificam a experiência fílmica, algo central para os estudos audiovisuais em geral. Penso que é bastante feliz a paráfrase que faz de uma citação de Pasolini: “Se a realidade é o cinema em estado bruto, o cinema é o vídeo ensaio em estado bruto” (L. G. Teixeira, 2021, 3).
Mais do que isso, L. G. Teixeira também considera o vídeo como um veículo fundamental para o que o cinema “revele a si mesmo”, tendo em vista que ambos compartilham das mesmas técnicas de linguagem audiovisual. Isso parece dialogar com a noção de tempos fluidos trazida por Barros e Santos, principalmente porque o vídeo digital, em geral, é uma mídia em constante transformação, tornando difícil até mesmo a sua própria compreensão: “Ao abraçar o tempo enquanto valor distorsivo na própria imagem, o vídeo se torna fluido, arredio, avesso a definições” (L. G. Teixeira, 2021, 4). O fato de ser avesso a definições totalizantes parece tornar ainda mais pertinente a prática ensaística, que tende a ser uma das poucas maneiras capazes de dar conta do estudo de uma mídia tão volátil.
Por fim, L. G. Teixeira ressalta como o vídeo-ensaio expõe uma problemática no cerne da teoria do modelo matemático de comunicação, cunhada por Claude Shannon e Warren Weaver, em 1949. Tal modelo, que definiria basicamente uma relação binária entre emissor e receptor, que trocariam mensagens através de um meio, seria invalidado pela própria existência do vídeo-ensaio.
4. CONCLUSÕES
Percebe-se que os estudos a respeito do vídeo-ensaio vêm aumentando no Brasil. Esse aumento tem sido bastante significativo nos últimos sete anos, tendo em vista que os artigos abordados aqui compreendem este período. É surpreendente e muito positivo notar que, apesar de poucos trabalhos, existem possíveis diálogos entre esses trabalhos, tanto em questão de convergências quanto de divergências. Três dos trabalhos abordados realizam propostas originais e pertinentes acerca da utilização de vídeos-ensaios no meio acadêmico, e isso é um ponto que merece destaque.
A bibliografia utilizada pelos autores se repete em alguns casos, o que denota certa proximidade no modo de pensar destes primeiros trabalhos: ainda uma preocupação com a necessidade de definição dos termos, de encaixe de referências, construção de linhas do tempo e cronologias de saberes distintos. São nas pequenas diferenças de escolha bibliográfica que surgem os principais traços de autoria e diferenciam uns aos outros: a escola de Barros e Santos por Català é um dos principais fatores que os diferencia de
L. G. Teixeira, que opta por Peirce, e dos Anjos, que opta por Kiss e Van den Berg.
Particularmente, a visão exposta por Barros e Santos parece ser a que mais se aproxima daquelas que apresentam-se como as grandes potencialidades do vídeo-ensaio: uma mídia que pode ser utilizada como um laboratório para os estudos acerca do audiovisual, auxiliando no progresso do pensamento científico neste campo, desvendando suas novas possibilidades de linguagem, bem como de seus inúmeros modos de recepção e efeitos cognitivos.