1. INTRODUÇÃO
Andrei Tarkovski, cineasta nascido na União Soviética (1932-1986), tomou a palavra escrita enquanto caminho para especular sobre seu ofício ao compor a obra Esculpir o Tempo. Com a palavra, investigou o fazer do cinema, a artesania da criação artística. Ao começar a esboçar seu próprio texto sobre a arte que se confundiu com sua vida, perguntou-se: valeria a pena escrever? “Não seria melhor continuar a fazer um filme atrás do outro, encontrando soluções práticas para os problemas teóricos que surgem sempre que se faz um filme?” (Tarkovski, 1998, 1). As infelicidades e tormentas de sua vida artística, no entanto, colocaram-no em outro tempo, um tempo de espera, de lenta produção, que tornou-se, também, tempo de gestação. Os intervalos entre seus filmes eram-lhe dolorosamente longos devido -em especial- a sua insistência, enquanto artista, em bancar o seu tom e fazer o cinema que desejava a despeito da estética dominante. Foi enquanto leitor de obras sobre teoria do cinema e enquanto alguém que toma seu ofício como matéria de pensamento que Tarkovski colocou-se a escrever. Nesse sentido, sua deriva escritural marca uma prática: tomar um fazer enquanto tema de escrita e objeto de investigação. Em outras palavras, trata-se de tornar o plano do ordinário onde se atua em matéria de escritura e, assim, capturar, com o texto, as protuberâncias no fluxo perpétuo do real. Atenção e imanência. Ao assumir que vale a pena escrever, Tarkovski também interfere nesse real, o real de seu próprio ofício, e nos discursos produzidos sobre cinema e sobre a prática dos cineastas.
O que nos interessa, na composição deste artigo, é nos apropriarmos de tal movimento de pensar-escrever a própria prática enquanto método para desenhar e redesenhar a tarefa de professores e professoras e, assim, no âmbito da educação contemporânea, esculpir docência[s] na escritura. Nesse processo, importa colocar em evidência a escrita enquanto ação de experimentação na qual se busca traduzir a experiência da sala de aula por uma via ficcional e fabulatória em que nos dedicamos a forjar um percurso rítmico para a linguagem e não dar às costas a ela. Esculpir a docência na escritura, nesses termos, envolve proliferar as imagens possíveis sobre a forma de atuar dos educadores bem como soprar novos ventos na linguagem da educação em busca de novas práticas. Ao esculpir, no rumo da proliferação, também produzimos fissuras nas imagens dogmáticas.
Em muitos contextos podemos pensar a docência enquanto tarefa subalterna, menor, especialmente no âmbito de deterioração da educação e da pesquisa que ocorre no cordial país verde-amarelo desde o ano de 2016, mas também quando atentamos à mercantilização dos discursos sobre educação que reduzem professores e professoras a instrutores, transmissores passivos de um saber posto a sua revelia, escravos de um currículo dado ou de clientes que demandam transmissão e didatismo.
Por essa via, seria, talvez, algo da ordem do absurdo aproximarmos docentes de cineastas, esses, sim, artistas, criadores, artífices do inusitado. Dentro de nossa perspectiva, porém, esse absurdo não se instaura. A sala de aula é lugar de escritura, de artesania. Uma aula se compõe (pode ser composta!) enquanto escrita que não abdica da forma como método e ética, como aposta na singularidade. Daí, aula enquanto prática de criação tecida por um “didata-tradutor” (Corazza, 2013, 212), um escrileitor que “transcria e transcultura os elementos científicos, filosóficos e artísticos, reconhecendo a sua própria produção” (Corazza, 2013, 212). De nosso ponto de vista, portanto, aliados a Sandra Corazza, em cada educador, em cada Didata-Tradutor, há um artesão, uma autora, um autor que é constituído, acima de tudo, por seus lances inventivos.
Propomos que tomar os lances de criação e as experiências pedagógicas como pauta para exercícios de escritura é uma aposta na prática textual como caminho para nos tornarmos “cada vez mais consciente[s] de formas possíveis de modificar a mesmice da formação e da ação docentes, diante da repetição quase secular da prática pedagógica” (Corazza, 2013, 97). Tal exercício escritural, proliferador em sua intenção, também pode atuar - na produção de discursos no campo educativo - como desvio de um princípio da identidade que formula uma designação uniformemente válida de docência (Corazza, 2013, 21). Quando - enquanto professoras-pesquisadoras-escritoras - tomamos os acontecimentos, as cenas, as vibrações da docência e da aula como possibilidade de rearranjar os discursos prescritivos e normativistas em torno da didática, fazemos, em tal operação que evidencia o distinto e a variabilidade, o duplo movimento de esculpir e fissurar. Fissurar para problematizar as verdades herdadas e ativar fluxos desejantes. O que é um professor, o que é uma professora? O que é uma cineasta, uma escritora ou um pedagogo? Talvez interesse pouco colocar a pergunta nesses termos: os termos da identidade. Tarkovski, por exemplo, em sua obra, não se ocupa em definir sua prática, não lida com a ideia de um Cineasta-Primordial, movimenta-se em seu fazer, capturando acontecimentos e, assim, dá a ver processos, práticas, circunstâncias, problemas, variações.
Por essa via, mais das vacilações e menos das identidades, faz-se a escritura Aforismos sobre docência, presente em seção posterior deste artigo, como um texto dentro do texto. Esta outra escrita funciona pelas vias de uma autogenealogia, no sentido de um fazer que não se restringe a um indivíduo, mas se estende ao campo de forças mais amplo do qual ele ou ela são componentes. Nesse percurso, porém, optamos por nos desviar de qualquer intenção de representar o acontecido. Quando tomamos um événement educativo, uma cena, uma experiência, o relato de alguns fatos como matéria de escrita inevitavelmente esfumaçamos a linha, por vezes rígida nas concepções circundantes, que separa real de ficção. Paul Zumthor -pesquisador e medievalista que também se dedicou a escrever sobre poesia e ficção- afirma que toda história é relato.
A história se conta da mesma forma que os sonhos só existem enquanto narrados. […] À medida que me atribuo a tarefa de reter um pedaço do real passado, minha tentativa é, em si mesma, ficção. Se formo um discurso ficcional, para comunicar o resultado, ele será necessariamente narração (Zumthor, 2005, 48).
É, portanto, tomando o relato e a ficção como forma que frisamos, no percurso deste texto, uma escritura -para tratar da tarefa docente- que não se propõe explicativa, informativa, que dissipa as fronteiras entre o real e a ficção e que tampouco escamoteia, da produção de pensamento, os afetos, as marcas, assim contribuindo com movimentos e discussões sobre as maneiras pelas quais podemos, no campo da pesquisa acadêmica, escrever sobre nossas experiências, ainda que não de qualquer maneira. Acreditamos que esse movimento escritural pode apontar para uma série de problemas possivelmente importantes e até mesmo potencialmente perturbadores para a pesquisa e para a escrita acadêmica, dentre eles: a necessidade de se explorar o vínculo entre pensamento e vida, a ultrapassagem da dicotomia entre verdade e ficção e, no campo das pesquisas que se debruçam sobre educação, a possibilidade de tomarmos certo distanciamento de narrativas pessoais para tomá-las como diagnósticos de campos de forças e também como pontes fabulatórias; trata-se daquilo que fazemos com o que já foi feito.
2. Autogenealogia: algo acontece na linguagem
Quando construímos uma narrativa sobre nós mesmos precisamos assumir sua incurável incompletude e ficção. Não podemos nunca articular tudo o que nos acontece, porque o que nos acontece sempre carrega o inarticulável, o inenarrável. Segundo Judith Butler (2017, 86), “algo acontece na linguagem quando começo a fazer um relato de mim mesma: meu relato é invariavelmente interlocutório, espectral, carregado, persuasivo e tático”. Um relato é espectral na medida em que assumimos os limites de cognoscibilidade de nós mesmos, dos outros e do que nos aconteceu. Fazer um relato de si, ou de situações em que estamos implicados, é sempre uma encenação. Quando optamos por essa encenação no campo do pensamento é porque buscamos produzir um arranjo e observar outras dinâmicas para além do mero acontecido com um sujeito centrado. Jorge Luiz Viesenteiner (2010, 341), ao abordar a questão genealógica em Nietzsche a partir da noção clássica nietzscheana do como alguém se torna o que se é, destaca que nossas vivências têm um caráter de ligação imediata com a vida e que em função dessa imediatez nunca possuímos consciência daquilo que vivenciamos no instante mesmo que vivenciamos. Somente depois é possível que sistematizemos racional e conceitualmente as protuberâncias do que se viveu. Por essa via, Viesenteiner destaca que n’A Gaia Ciência, Nietzsche aponta para a questão de que não nos tornamos conscientes do verdadeiro pathos de cada período da vida quando nele estamos.
É por entre esses movimentos de pensamento que adotamos a escrita autogenealógica -sem abdicar de um caráter autoficcional- enquanto caminho possível para pensar a tarefa docente. Entendemos a autogenealogia enquanto possibilidade de driblarmos, no campo da pesquisa em docência, a tradicional categoria do sujeito, como proposto por Nietzsche, e apresentar o suposto eu como efeito provisório de uma série de forças e tendências que se cruzam em disputa na tessitura social. A autogenealogia assume a experiência pessoal, mas -e isso é de fundamental destaque- para ir além dela, servindo como possível diagnóstico de um campo de tensões constituído de modo complexo e heterogêneo e que uma autogenealogia pode assumir a tarefa de apenas bordejar, tatear ou especular. Ou seja, tomamos caminho distinto de uma tendência característica da ciência moderna que buscava afastar o caráter especulativo das construções teóricas. O que pode ser importante destacar é que esse movimento de pesquisa não tem, portanto, o único objetivo de narração ou de “exercício poético” entendido enquanto exercício de mero estilo. Aqui nos interessa pensar o poético enquanto uma escrita que almeja flutuar pelo inapreensível e fissurar a referencialidade denotativo-instrumental da linguagem. Um dos caminhos possivelmente válidos desse procedimento para a pesquisa acadêmica envolve se utilizar do relato enquanto forma de, paradoxalmente, sair da experiência em primeira pessoa para ensaiar a cartografia de um jogo de forças subjacente aos nossos processos de subjetivação enquanto professores e professoras.
A escritura Aforismos sobre docência - que se apresenta na próxima seção - assume a impossibilidade do relato de si. Tomamos o caminho dos aforismos para evidenciar que não se trata de uma escritura tecida “no conforto de um gabinete, mas ao longo das grandes caminhadas”. Este trecho, pego de empréstimo de Rosa Dias (1991, 28), destaca a escrita aforística de Nietzsche enquanto caminho de pensamento que levou o filósofo (caso aceitemos que ele foi um filósofo) a dar novos movimentos à linguagem da Filosofia. Os aforismos seriam a maneira, a forma, que Nietzsche encontrou para materializar um pensamento que não se forja em um lugar de conforto e que ativa uma anarquia sintática. “um pensamento como o de nietzsche, ligado ao movimento de busca, que é experimental, não se pretende objetivo: ele está relacionado a um indivíduo, a um momento de sua história” (Dias, 1991, 29). Nossos aforismos, neste artigo, no entanto, não se propõe filosóficos, uma vez que não intencionam se equiparar à paradoxal leveza e densidade simbólicas da máquina de transvaloração nietzscheana. São, no entanto, aforismos pedagógicos, tomam cotidianos acontecimentos da educação enquanto matérias de escrita-pensamento, apostam na brevidade e funcionam como ilhas flutuantes; inconclusivos, reticentes.
3. Aforismos sobre docência
1.
A imagem da preparação da aula é a imagem de uma folha em branco. O branco da folha nem sempre é vazio ou abismo. Entre o gelo liso e a página vazia, faz-se uma docência que sabe dançar.
2.
Para o primeiro dia de aula, escreveu tudo o que diria na extensão de seus dois primeiros períodos como professor. Tinha vinte e um anos e ainda era muito tímido. Havia comprado camisas de botão para parecer mais velho. No prólogo da profissão, diligente como um palestrante que fosse falar a centenas, compôs texto, experimentou que o sabor da aula começa antes dela mesma. Fazer aula é questão de montagem, uma artesania labiríntica entre textos de outrem. Ao final do processo de escritura, leu e releu o texto, queria reproduzi-lo oralmente tal qual por ter-se apegado a certas sonoridades e construções frasais. Foi aprendendo aos poucos os prazeres do inesperado e do improviso, mas ali se fez vínculo inseparável entre aula e escritura; aula enquanto terreno onde se experiencia a linguagem para além de sua dimensão comunicativa.
3.
A docência é possibilidade da vivência da aula em dois planos de existência, a escritura e a voz, a partitura e a execução.
4.
Um aluno, chamado Lucas, primeiro ano do ensino médio, jovem leitor voraz, fala com o professor uns minutos antes da aula: solicita uma experiência. Que o professor vá, ao final do recreio, até a cantina da escola, onde estudantes de todas as séries e idades ocupam as mesas espalhadas de forma regular. Pede que ele observe - no exato momento em que o sinal que alerta o fim do recreio soar - como, automática e imediatamente, os corpos de todos se levantam quase no mesmo momento, em assustadora sincronia.
5.
A professora mais velha, no primeiro dia de um professor recém-contratado em uma escola, avisa: “Aqueles dois que sentam no fundo ao lado da janela! Há que se ter cuidado. São rebeldes, vão colocar a tua autoridade à prova”. O professor arma-se. Entra na sala, caminha até sua mesa, vira-se, olha a turma e observa o fundo ao lado da janela. Nas classes em dupla, vê dois adolescentes que parecem os mais velhos da turma. Um deles, cabelos negros, crespos e compridos, o rosto branco desaparecido entre a cabeleira. O outro, alto, loiro, vestindo um sobretudo marrom, muitos números acima, sobre o uniforme da escola, óculos redondos com lentes fundos de garrafa. O professor desarma-se, contaminado por uma simpatia imediata e quase instintiva. Após uma aula sobre os poetas românticos e seus hábitos obscuros, Frankenstein, de Mary Shelley, e outras questões do século XIX, os dois alunos imediatamente vão até a mesa do professor: querem falar sobre o tema do duplo na literatura e perguntar o que o professor acha de Edgar Allan Poe.
6.
No limiar entre ensino fundamental e médio, um primeiro livro colocou o futuro professor, de fato, em risco. “Para nascer é preciso destruir um mundo”. A frase possuiu-o por sua inicial obscuridade. Em uma noite e uma madrugada, leu Demian, romance do escritor alemão Hermann Hesse. Demian, o personagem, profana a interpretação do texto bíblico feita por um professor de religião e sugere uma leitura distinta do assassinato de Abeu por Caim. Matar, em sua dimensão simbólica, nada mais é do que ultrapassar um limite e colocar verdades sob suspeita. Caim ganha um estigma em sua testa porque ousou a criação e, como possuído por um daimon, torna-se um errante. Seu estigma não é um castigo, mas um sinal para que possa ser reconhecido por outros como ele.
No dia seguinte, o futuro professor não teve condições de ir à escola.
7.
Sete e trinta, período inicial com uma turma por quem o professor tem particular apreço: trinta e sete alunos de segundo ano do ensino médio que ele acompanha desde o ano anterior. Haviam cultivado - e seguiam cultivando - um laço de cumplicidade e de respeito. Em poucos minutos na sala, o professor percebe o espaço mais denso, o cansaço de alguns, a agitação ansiosa de outros, o paradoxo daqueles afetos pesados com o agradável da manhã de primavera. Os agitados faziam alguma atividade que não tinha relação com a proposta da aula, os cansados, estáticos como peixes em aquário, olhar vidrado em lugar nenhum. O professor interrompe o curso da aula, busca verificar o que se passa. Muitos começam a falar ao mesmo tempo sobre o fato de que estavam tendo de duas a três provas por dia, já há quatro dias, e que a semana de provas se juntava com atividades extracurriculares claramente excessivas. À medida que falavam suas angústias, o professor ficava com a impressão de que suas almas estavam sendo consumidas pela lógica do desempenho escolar (prelúdio da sociedade do cansaço). A escola os convidava a participar do jogo das tarefas sem fim no qual o importante não é o sentido da experiência em si mesma ou o quê de potência e de crescimento essas experiências trazem, mas a conclusão da atividade, o check em uma lista na qual o único objetivo parece ser ensinar os indivíduos a cumprir metas. Os estudantes só não pareciam zumbis por completo pois estavam em uma espécie de ápice emocional, e o desabafo coletivo potencializava o que sentiam. O professor age de maneira enérgica ao solicitar um gesto simbólico - invenção emergencial e teatral. Pede que todos guardem o material em suas mochilas, que deixem as mesas vazias; abre as cortinas azuis das janelas, que lhes aparta do sol, liga o computador na caixa de som da sala, e deixa a voz da Mercedes Sosa se espalhar entre eles. Aos poucos, alguns estudantes vão baixando as cabeças na direção dos braços que servem de travesseiro sobre a classe; outros olham para o céu; alguns deixam uma que outra lágrima cair, e Mercedes canta: Muero todos los días, pero te digo, no hay que andar tras la vida como un mendigo. El mundo está en ti mismo, debes cambiarlo. Cada vez el camino es menos largo. Como um pájaro libre…
8.
Uma lista de dez livros a partir da qual se deveria escolher apenas um. O menino foi à mesa da professora Íris dizer que, depois de pesquisar sobre a história de cada uma das obras, percebeu que nenhuma havia lhe interessado. Era mentira. Em realidade, ele não havia gostado de nenhum dos títulos da lista, entregue na aula anterior. Papel branco com letras roxas. 1996. Quinta série do ensino fundamental. Primeira vez que um trabalho escolar exigia a leitura integral de libros com cem, duzentas, trezentas páginas. A professora fez uma sugestão ao menino: que ele fosse à biblioteca e passasse o restante do período entre os corredores de livros a buscar por aquilo que lhe despertasse vontade. Uma criança de 11 anos, dispensada da aula, poderia vagar pela escola, fazer qualquer outra coisa debaixo do sol, mas foi à biblioteca buscar alguma coisa que nem sabia o que era. O que a professora fez, antes de mais nada, foi legar ao estudante, no sentido de oferecer como legado, uma experiência coletiva: a da criatura que vaga pelos corredores de uma biblioteca, que se deixa perambular por entre livros, na loucura da busca incessante.
9.
Por um período de 4 anos, o professor pediu a todos os terceiros anos do ensino médio uma mesma leitura, sempre no início do ano letivo. A Metamorfose. Franz Kafka. Como professor de literatura, sentia um prazer indisfarçável em ser a pessoa que apresentava, para dezenas de outras, certos textos. A aventura de ser um feiticeiro ou um mago que dá a ver um livro mágico de algum alquimista ou ocultista do medievo. No encontro com o texto, acontecia uma travessia percorrida coletivamente -professor e estudantes- ainda que cada um vivesse diferente processo. Inevitavelmente, os estudantes pareciam ler a própria vida a partir da vida de Gregor Samsa. Sua incomunicabilidade com a família, a estranheza da transmutação do próprio corpo - de homem a inseto - e mesmo a mecanicidade produzida por uma rotina cinza onde excesso e repetição pareciam protagonistas. Sozinho, em sua casa, com seus livros e com as escritas dos alunos ao fim do processo, o professor observava -no tecido do texto- que literatura inexplicável de Kafka ia ganhando sentidos distintos na experiência de seus estudantes, a experiência do diferir de si mesmos nos movimentos de leitura e de escrita, ainda que, é claro, encontrasse também o oposto disso: os clichês, slogans e frases prontas daqueles e daquelas que não haviam feito ponte com a obra e que apenas usavam as palavras em sua dimensão burocrática, sem saber, apropriando-se dos movimentos automatizados que o próprio Kafka tanto evidenciou em sua prosa.
10.
No segundo semestre do ano de 2013, em uma escola privada em Porto Alegre, um grupo de professores do Ensino Médio organizou-se para a construção de um pequeno evento chamado de Semana do Conhecimento. A ideia surgiu de onde surgem as melhores ideias: do recuo crítico, do distanciamento, da pausa para analisar, do deixar-se vazio para inventar. O professor de física e o professor de literatura, que haviam se tornado amigos em função das afinidades eletivas que se dão no dia-a-dia do trabalho em escola, criaram o hábito de instaurar o ócio em suas vidas. Ambos habitavam uma rotina de trabalho que parecia querer instalar neles a perigosa noção de que todo o tempo livre deve ser ocupado. Viviam, enfim, a rotina convencional de professores de escola acostumados à relação inseparável entre número de horas-aula e qualidade material de vida. Ainda que o trabalho lhes desse enorme prazer, o desejo de liberdade exigia um tempo fora do tempo. Semanalmente, ou quase isso, instauraram um hábito: dedicar uma tarde inteira ao ócio e à conversa livre em alguma cafeteria - declaração de independência pessoal ao enquadramento da experiência com o tempo. Uma vez que conversavam essencialmente sobre os livros que liam, começaram, também, a exigir tempo para não deixar de ler, para não deixar de pensar; cavar, enfim, um tempo para não se automatizar. Outro tópico a que se dedicavam, com particular fervor em suas conversas, era a educação. Fruto da germinação dessas conversas, fizeram aos seus colegas professores e suas colegas professoras uma proposta: se eles e elas se sentiriam inclinados a, durante uma semana, suspender o correr das aulas e a pressa aniquiladora para “vencer o conteúdo”, e criar um ou dois cursos, dentro do universo de suas disciplinas e de suas cargas horárias, a partir de um tema de interesse próprio, de paixão própria. Esses cursos seriam divulgados ao corpo discente do ensino médio e, durante uma semana, cada estudante escolheria, dentre as ofertas, como preencher a sua carga-horária de vinte e oito horas na semana. Os professores, salvo uma ou duas exceções, aderiram ao projeto com muita ênfase. O professor de matemática organizou a grade horária da semana, e os professores de Física e Literatura, então, pediram que quarenta e cinco minutos de uma determinada reunião pedagógica fosse aberta para que propusessem à direção e à coordenação pedagógica da escola o projeto da “Semana do Conhecimento”, em que suspenderiam as grades dos antigos horários, o fluxo do conteúdo e a separação de estudantes em séries, uma vez que cada curso dado estaria aberto a estudantes de todos os anos do ensino médio. O aval foi dado, com muita cautela e estranhamento por parte da direção.
A professora de História, interessada na questão do nazismo e da Segunda Guerra Mundial, construiu um curso sobre o Holocausto, aliado com cinema. A professora de Geografia criou um curso sobre Anarquismo e outro sobre os já históricos protestos que tomaram conta do país nos meses de maio, junho e julho daquele ano de 2013. O professor de Física criou um curso dedicado à Astronomia e outro à Física Moderna. O professor de Literatura, um curso sobre a poesia de Carlos Drummond de Andrade e outro sobre a poesia de alguns poetas da Geração Beat. A professora de Biologia criou um curso sobre ecologia. De curso em curso, a escola se encheu de invenções de várias ordens.
O impacto desse movimento coletivo de professores foi sentido tão logo o projeto foi apresentado. A reação dos estudantes foi positiva: expectativa, aprovação e ansiedade por parte da maioria; resistência, dúvidas e desinteresse por parte de uma minoria. Na semana em si, professores reagiram surpresos com o fato de que podiam dar aulas de uma hora e meia sem pedir silêncio, sem pedir que os estudantes parassem de mexer nos celulares, sem pedir atenção, pois estavam todos já muito concentrados e interessados. Mas em que? Em ver outras facetas de seus professores? Em poder escolher sobre os temas que excitariam seus intelectos? Na mudança de rotina, apenas? Em poder estar na mesma classe que um colega de outra série?
Após a conclusão dessa semana em suspensão, a coordenação pedagógica sugeriu uma reunião sobre os impactos da Semana do Conhecimento. A primeira avaliação sobre o projeto - durante a reunião - partiu das coordenadoras e da direção: na opinião delas, a semana havia desorganizado a rotina escolar, gerado caos e incerteza. No final do ano, quase todos os professores da escola foram demitidos. Mesmo as vitórias podem ter um sabor amargo.
11.
O aluno pergunta ao professor, irritado, sardônico: mas, afinal, essa aula é de quê, hein? Literatura, Filosofia, História, Psicologia ou Sociologia?
12.
O romance se chamava Extremamente Alto, Incrivelmente Perto do escritor estadunidense Jonathan Safran Foer. Era uma turma de segundo ano do ensino médio, particularmente engajada em leitura e muito coesa em seu interesse por um pensamento mais inventivo. O professor havia escolhido o livro tanto pela linguagem do protagonista, Oscar Shell -menino de nove anos com inteligência talvez acima da média, principal narrador do livro- quanto pelo tema: a superação de um trauma, a experiência do luto, uma vez que Oscar teve o pai morto durante o atentado às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001. Menino incomum para sua idade, Oscar é fã de Stephen Hawking e as inúmeras fotografias que ele tira ao longo da narrativa aparecem materializadas na obra, estabelecendo relações com o texto e produzindo uma literatura multimodal. A questão do processo de luto do menino é um dos temas mais interessantes do romance. Pouco antes de o professor iniciar o trabalho com o livro nesta turma em particular, um aluno novo chegou à escola; o ano já adiantado, em maio ou junho. A coordenação pedagógica da escola havia comentado algumas coisas sobre o estudante. Fazia um ano que ele havia perdido o pai e não estava se adaptando mais à escola anterior. Durante o primeiro mês e meio de aulas, não demonstrava o menor interesse por literatura e não fazia questão sequer de fingir que estava lendo os livros discutidos em aula. No primeiro dia de debate coletivo sobre a obra mencionada, para o qual os estudantes deveriam ter lido apenas as primeiras oitenta páginas do romance, ocorreu um episódio peculiar. Todos os estudantes tinham o romance sobre suas classes, menos o aluno novo. Em um determinando momento da conversa, era a conversa inicial sobre a obra, uma aluna comenta que acreditar que o tema principal do romance fosse o luto, uma narrativa sobre o processo através do qual Oscar lida com a morte do pai. O aluno novo - sempre meio sonolento sobre a própria classe - ergue o corpo, olha para a colega e pergunta como. Como Oscar lida com a morte do pai?
Durante o trabalho com o livro, o professor não havia sequer lembrado que o aluno e Oscar Shell tinham algo em comum. Com a pergunta, recorda-se da relação e, no súbito da surpresa, sente a garganta se fechar num nó. Caso falasse sua voz viria embargada. Olha para a aluna, na espera de que ela responda. Ela diz não saber como Oscar lida com a morte do pai, ainda não havia terminado o romance. Na aula seguinte, o livro estava sobre a mesa do aluno.
13.
Foram dois anos, três meses e quatro dias de radical isolamento. O professor -distanciado da sala de aula para fazer uma investigação de doutorado em educação- lia e escrevia obstinadamente como forma de fazer face, na sua redoma privada, à deterioração promovida por um governo que impôs à educação e à pesquisa uma cruel desertificação. Universidades à míngua, bolsas de pesquisa massivamente cortadas, profusão violenta de notícias assustadoras das quais optou por manter alguma distância. Futuro incerto. Névoa. Bruma. Neblina. No primeiro dia do inverno do segundo ano da pandemia, retornou à Faculdade de Educação para realizar um estágio de docência nas licenciaturas. Por algumas semanas, daria aulas entre futuros professores e professoras, desacostumado de tudo ou desacostumado daquilo que não conhecia mais. Sair de casa ainda escuro tinha agora outro tom. Os óculos embaçados em função da máscara aumentavam o receio, em verdade medo, de estar em ônibus lotado, janelas fechadas. Seu olhar agora atento a algo mais, ao invisível, ao viral e ao estranhamento: muitas pessoas já circulavam sem máscara de proteção apesar do risco. Ele não entendia. Em alguma medida, parecia que não havia passado nada. Na sala de aula, tão acostumado ao microfone caseiro das aulas online, pensou, por um momento, que sua voz não teria corpo, enfraquecida por seu próprio corpo desconfortável e desacostumado de estar em destaque. Mas que destaque, afinal? As salas de aula semi-vazias, os alunos e alunas atrasados, sonolentos ou atentos ao celular. Nas falas, quando falavam, os remédios que tomavam para toda a sorte de sofrimentos psíquicos eram tema. Como dar aula em um mundo sobre o qual parecemos entender muito pouco, mas que percebemos adoecido? Apesar de habitar outro corpo, outra voz, apesar da angústia da sensação do radical estranhamento de si, ainda lhe habitava o ímpeto: exigiu disposição. Sim, uma exigência. Se as políticas de morte deterioravam o espaço da universidade, fazer o que está em nosso alcançe é o mínimo. E a disposição, enquanto esforço e ética, é nosso mínimo. Estar presente, atento, inteiro, o olhar longe da tela e em escuta. Dedicados à palavra, ao pensamento, em guerra contra o slogan, contra o fácil do dedo que passa para cima aquilo que mal vê. No intervalo da aula, uma alegria e uma cena. Uma das alunas, agora licencianda em Artes Visuais, comunica, por trás da máscara, que havia sido sua aluna alguns anos atrás, no Ensino Médio. Afirma que escolheu a licenciatura, mas não consegue se enxergar professora. Seu ofício é um mistério, um enigma. Nada enxerga, além da névoa que também embaça seus óculos no úmido inverno do sul do país.
4. Escolher o que não se sabe
Digo sim.
É possível dizer sim a algo que não se sabe? Partir, com afinco, na direção do difuso? Não é disso que se trata quando escrevemos ou mesmo quando percorremos uma aula, zona de risco e de experimentação? O fato é: é preciso decidir. Quando à existência é sempre imposta uma escolha deixamos de perceber o quanto nosso habitar cotidiano é constante movimento de decisão. Poderíamos forjar um texto no qual especulemos sobre isso. Enquanto método de escrita, inventaríamos a seguinte regra: anotar quantas escolhas precisamos fazer no curso de vinte e quatro horas. Não necessariamente quais - ainda que pudéssemos escrevê-las e pensar sobre elas - mas quantas. Trata-se de uma percepção quantitativa. Digamos que optemos por passar vinte e quatro horas deitados a mirar o teto branco. Teríamos aí, pelo menos, uma escolha. No entanto, não poderíamos ter segurança de que nessa travessia de um dia em tentativa de imobilidade estaríamos isentos da necessidade de tomar outras decisões. Talvez, deitados, nossos pensamentos ganhassem força em sua variação e produção de imagens, fantasias, memórias, sonhos despertos e outros delírios. Teríamos, então, de decidir sobre aqueles caminhos pelos quais vamos nos deixar ir e aqueles que quereremos afastar. Com certeza, teremos sede ou fome, e então? Se sinto sono, durmo ou me mantenho acordado? Não havia pensado nisso antes. Outra escolha.
Quando um cineasta ou uma cineasta decidem, sem nunca ter feito filme ou escrito roteiro, que serão cineastas, quais imagens têm desse ofício desejado? Por que o desejam? Quando uma jovem, talvez ainda adolescente, escolhe tornar-se professora, ainda que não consiga se imaginar docente, o que a move na direção daquilo que se sente incapaz de figurar? Haveria aí, nesse indiscernível, nesse inapreensível, a possibilidade da transgressão da identidade? A fugaz experiência de não ser prisioneiro das representações? Quando um professor toma lembranças de seu ofício, o que figura? Na ficção que cria de sua trajetória que caminhos de ação em educação se evidenciam ou são possíveis de serem forjados desde as figuras de prosa? É possível retirar, do texto e do processo de escritura ou do processo de leitura, novas práticas? Deslocar, talvez, o ofício de seus moldes utilitaristas? Qual o lugar desses relatos de docência, por exemplo, nos cursos de licenciatura? Qual o seu lugar no campo da pesquisa acadêmica? Se escrevemos em aforismos, em fragmentos, em ensaio ou se produzimos uma escrita incerta entre essas formas, é possível nossa inserção no acadêmico, no científico? Esses questionamentos nos parecem importantes para que possamos abrir caminhos desviantes das formas cristalizadas de fazer docência bem como tornar essa abertura de caminhos uma questão inarredável do educativo.
5. Uma heterotopia da linguagem
É preciso retificar e desdobrar que -nessa travessia de investimento em outras caminhos de escritura e, acrescentamos, de didática- a questão da forma é vital. A vitalidade dessa questão se confunde com um cuidado e também com um esforço, um rigor. Um rigor com a palavra, com as maneiras como algo se coloca, se instaura ou existe. Um rigor, diríamos, em produzir um ritmo dissonante no sentido de escapar da homogeinização corrosiva que tolhe os textos, os discursos, as pesquisas, as falas, as aulas e torna a palavra vazia em seu automatismo cruel. E se a própria linguagem de uma aula -no assombroso contemporâneo- precisasse ser transformada radicalmente como tentativa de sacudir o pensamento? Assim, as salas de aula se tornariam espaços de produção de uma assustadora experiência de estranhamento do contemporâneo e da própria ação comunicativa.
David Lapoujade recorda a inoperância das dicotomias ao apontar que “a forma é inseparável da matéria que ela informa” (2017, 15). Trata-se, portanto, não de um aprisionamento, tampouco de algo menor, frívolo ou secundário, mas de um arranjo por meio do qual o pensamento se coloca, se exerce e que não se separa do conteúdo mesmo. A forma é uma espécie de regulação do devir do pensamento, da variação intelectiva. Dessa maneira, poderíamos problematizar que o movimento de retirar a escrita acadêmica de seus gonzos e produzir, na linguagem, fissuras que a façam voar para além de sua referencialidade instrumental é também um movimento de expansão das possibilidades do pensamento produzido. Com Barthes (2012), a escritura é não só um artifício para não darmos às costas à linguagem como, também, para não representar, não fixar. Nesse desvio da representação, criamos outras realidades e proliferamos imagens, possibilidades, destacando a pluralidade recursiva de ser e fazer de cada ofício, de cada modo de existência.
Nossa decisão pelo ficcional como forma de tratamento da tarefa docente está atrelada não apenas a uma espécie de heterotopia da linguagem -que não aceita se despir de um pathos poético e almeja desviar-se do cru referencial (reivindicando uma festa da língua)-, mas também promover esse caminho de desvio da representação quando se trata de abordar, no campo acadêmico e educacional, o ofício do professor e da professora. É uma escrita atravessada por uma fome inconclusiva, um pudor com os fechamentos, com as certezas e com as identidades. Em diálogo com Adó (2022, 30), pensamos que “a ficção pode ser entendida como um agenciamento de zonas que funcionam como artifícios para a criação daquilo que nos denomina. Aquilo que […] nos permite dizer ‘Eu’ como um gesto […] que confirma nossa existência”. Por essa via, a ficcionalização de um ofício pode operar como a afirmação de um modo singular de exercer esse ofício. Nessa ação ficcional - que também funciona como ação fabulatória - nos desincumbimos daquilo que Juan Jose Saer aponta como “a negação escrupulosa do elemento fictício” (1989, 2) nas biografias e autobiografias, por exemplo. Para Saer, a verdade não é necessariamente o contrário da ficção e optar por esta não significa embaralhar aquela, mas afirmar uma concretude textual em sua capacidade produtiva sem necessariamente promulgar uma suposta realidade anterior, factual, à qual nossa escrita reproduziria ou resgataria. Importa menos dizer dos fatos e, mais, ir além de seu véu e buscar na ficção aquilo que pode produzir não apenas outra escuta, mas também perturbação nisso que chamamos real. Se nos debruçamos, com cuidado e atenção, sobre a ficção que fazemos de nosso ofício ou sobre uma lapidação dessa ficção, quais vibrações, aí, podemos captar de maneira a tomar essas realidades ficcionais como possíveis ou como potencializadoras de alguma coisa distinta em nosso próprio fazer?
6. CONCLUSÃO
O que pulsa em uma docência? O que vibra? O que despotencializa? Quais são as alegrias e as guerras? Onde encontramos as amarras e os bloqueios sobre nossos movimentos inventivos? Sob que moldes narrativos enxergamos nossa ação como professores? De que maneiras nossa constituição como docentes - ou a forma como ficcionalizamos essa constituição - condiciona o nosso trabalho? De que maneiras escrever produz transmutações em nosso agir?
Uma escrita sobre nosso ofício, pensada como exercício de crítica e como resultado de atenção cognitiva e de sensibilidade afetiva, pode, acreditamos, promover uma transformação sobre nossa atividade mesma, uma transformação de nós mesmos enquanto profissionais da educação, um forjar novos rumos. Tendencialmente, as demandas e as pressões de nosso trabalho -bem como a lógica do excesso e do cansaço- nos convidam a encontrar soluções práticas, e muitas vezes automatizadas, para os problemas que aparecem no dia-a-dia, tal qual Tarkovski teria feito não tivesse optado por decidir que vale a pena escrever. Parar, pensar e escrever sobre nosso ofício é não apenas uma maneira de nos afirmarmos enquanto artesãos de nossas práticas educativas e de nos entendermos como pensadores e pensadoras do campo educativo, mas também forma de promover outros caminhares, mexer na trama do discurso pedagógico e na trama das imposições homogeneizantes que reduzem a educação, a aula e a docência a produtos. A importância desse exercício de apropriação de nossa docência -que é exercício de gestação- pode ser vital, ainda, para mover o pensamento a partir de nossas singularidades como professores e professoras e fazer face aos discursos que promulgam a docência de maneira essencializada, desviando-se de dizer que a tarefa do professor e da professora é isso ou aquilo, funciona desta ou daquela maneira, dentro de certos padrões e modelos. Como escreveu Sandra Corazza, “nada está dado” e “quase tudo está para ser construído no campo da educação” (2016, 1316). Em movimento de insistência nessa construção do novo radical -e não do novo maquiado como demanda capitalística- fazemos a opção errante de, no campo da pesquisa e da aula, pensar poeticamente a existência, como propôs Carlos Skliar ao escrever sobre “essa estranha necessidade de traduzir como se possa aquilo que excede à razão, o que provoca frustração, o que transborda, o que se ignora e se seguirá ignorando” (Skliar, 2014/2015, 225).