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Ius Humani. Revista de Derecho

versión On-line ISSN 1390-7794

Ius Humani vol.7  Quito ene./dic. 2018

https://doi.org/10.31207/ih.v7i0.172 

Articles

Participação democrática e cidadã como mecanismo de superação da crise ecológica no contexto jurídico brasileiro

Democratic participation and citizens as a mechanism for overcoming the ecological crisis in the brazilian legal context

Cristiane Velasque *  

Thiago Germano Álvares Da Silva **  

Wambert Lorenzo ***  

* Advogada. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul. Especialista em Direito Público pela Fundação Superior do Ministério Público. Caxias do Sul (Brasil). jus.velasque@gmail.com

** Advogado. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Mestrando em Direito pela Universidade de Caxias do Sul. Pós-graduado em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil). thiagogermano@yahoo.com.br

*** Professor do Programa de Mestrado da Universidade de Caxias do Sul. Doutor em Filosofia do Direito e Mestre em Direito do Estado e Teoria do Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil). wgdlorenzo@ucs.br


Resumo:

O presente trabalho tem por objetivo investigar sobre a importância da aplicação do direito à participação democrática e cidadã na superação da crise ecológica. A participação democrática é um direito fundamental de todo cidadão. Assim compete ao Estado disponibilizar instrumentos para o seu uso consciente e eficaz. O Brasil ocupa o status de Estado Democrático de Direito, conforme a Constituição Federal de 1988, a qual prevê a possibilidade de participação indireta e direta da população. Contudo, muitas vezes este exercício da cidadania sofre limitações, sem a observância adequada dos princípios que compõem a democracia participativa. Esta limitação ocorre muitas vezes em detrimento de interesses particulares de determinados grupos econômicos, diversos dos interesses ambientais. É importante a tomada de consciência global da crise ambiental diante dos problemas atuais, sob pena de se esgotar os recursos naturais. É de suma importância a participação democrática na questão ambiental para a concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual tem por objetivo proporcionar melhor qualidade de vida a todos. Porém, o presente estudo visa investigar as limitações dos mecanismos de concretização da participação, visto que isto compromete a legitimidade das decisões advindas desta participação eivada de vícios. Logo, não basta a previsão legislativa, é primordial a consciência da humanidade quanto à necessidade de preservação dos recursos naturais, com base em uma ética ambiental universal. O presente trabalho utiliza o método dedutivo. E como conclusão, sustenta a importância da aplicação efetiva deste direito fundamental na superação da crise ecológica.

Palavras-chave: Participação popular; participação democrática; crise ecológica; direito ambiental; ética ambiental

Abstract:

This paper aims to investigate the importance of application the right to democratic and citizen participation in overcoming the ecological crisis. Democratic participation is a fundamental right of every citizen. Thus, the State has responsibility to make available instruments for its conscious and effective use. Brazil occupies the status of Democratic State of Right, according to the Federal Constitution, which provides for the possibility of direct and indirectly participation of the population. However, this exercise of citizenship often suffers limitations, without proper observance of the principles that make up participatory democracy. This limitation often occurs because of particular interests of certain economic groups, overriding environmental interests. It is important to be globally aware of the environmental crisis in the face of current problems, otherwise the natural resources will be depleted. It is of paramount importance the democratic participation in the environmental issue for the realization of the right to the ecologically balanced environment, which aims to provide a better quality of life. However, this study aims to investigate the limitations of mechanisms for democratic participation, since this compromises the legitimacy of decisions resulting from this participation, which is characterized by addictions. Therefore, it is not enough the legislative forecast, it is primordial the conscience of the humanity on the necessity of preservation of the natural resources, based on a universal environmental ethic. The present work uses the deductive method. And as a conclusion, it supports the importance of effectively applying this fundamental right in overcoming the ecological crisis.

Keywords: Popular Participation; Democratic Participation; Ecological Crisis; Environmental Law; Environmental Ethics

I. Introdução

No contexto do Estado Socioambiental, é essencial que se observe uma tutela compartilhada e integrada dos direitos sociais e dos direitos ecológicos agrupados em direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (direitos fundamentais socioambientais), com instrumentos efetivos para uma participação democrática transparente e eficaz. Desta forma, os cidadãos podem diretamente exercer a cidadania com a participação, intervindo nas decisões políticas. A partir disso, será abordado no trabalho a participação do cidadão no que tange à questão ambiental, visto que esta forma de participação se caracteriza como um direito e um dever fundamental.

De acordo com documentos internacionais e, conforme a Constituição Federal do Brasil, por exemplo, é possível que os cidadãos exerçam “diretamente” a cidadania mediante a participação, intervindo nas decisões políticas. Ademais, na área ambiental, a participação democrática e cidadã trata-se de um direito e de um dever fundamentais, competindo ao Estado a criação de instituições, procedimentos administrativos e judiciais que permitam a efetivação da participação popular para viabilizar a intervenção e o controle popular na tomada de decisões políticas ambientais.

O presente artigo estuda o princípio da participação democrática e cidadã na questão ambiental de forma sistêmica, em conjunto com quatro subprincípios a que lhe são correlatos: participação popular, informação, educação e consumo sustentável.

A partir de tais premissas, investiga-se algumas deficiências estruturais desta participação que comprometem até mesmo a democracia. Contudo, o estudo visa demonstrar que a superação da crise ecológica exige melhoria na qualidade da participação e na consciência ecológica da população.

Objetiva-se, ainda, estudar a participação popular na questão ambiental sob uma perspectiva da ética ambiental, partindo da carência de valores éticos capazes de superar a crise socioambiental da sociedade, das instituições, do poder público e da humanidade em geral. Portanto, é de suma importância uma reflexão à luz da ética ambiental, de modo que a participação cidadã seja eficaz a ponto de efetivamente colaborar para a superação da crise ambiental, que compromete a existência da própria humanidade.

O método do presente trabalho é dedutivo, partindo de algumas premissas iniciais para se chegar a uma conclusão no que tange à participação cidadã na questão ambiental, utilizando de pesquisa bibliográfica e documental.

II. Democracia participativa e cidadã na área ambiental

Cumpre registrar que participar da vida política significa um direito e ao mesmo tempo um dever, deriva da dignidade política da pessoa e, além disso, permite uma autêntica democracia social, a qual envolve todas as classes sociais. Aliás, a dignidade possui por corolário a participação e a liberdade, conforme Wambert Gomes Di Lorenzo (2009, p. 3).

O Estado Socioambiental de Direito conduz a uma democracia participativa ecológica, a qual «pressupõe uma sociedade civil politizada, criativa e protagonista do cenário político estatal, reclamando por um cidadão autônomo, participativo e não-submisso à máquina estatal e ao poder econômico» (Fensterseifer, 2008, p. 124). A partir de então, o sujeito político não mais sofre influência de interesses dominantes, mas exerce democraticamente o controle da ação política estatal à luz do interesse coletivo.

A participação envolvendo a proteção ambiental (direito fundamental) necessita de efetividade para garantir a toda população a proteção deste direito fundamental, cujo objeto volta-se a tutela do bem comum ambiental. Neste sentido, Sarlet e Fensterseifer (2014, p. 29) acreditam que esta tutela requer seja realizada de maneira compartilhada e integrada, ou seja, que contemple direitos sociais e direitos ecológicos agrupados, sob o nome genérico de Direitos Fundamentais Socioambientais ou Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, para que se assegure condições mínimas para uma qualidade de vida. É necessário, portanto, uma dimensão social e uma dimensão que estejam ambos voltados à dignidade da pessoa humana. Com isso, apenas um projeto que contemple as duas dimensões se revela constitucionalmente adequado.

O Papa Francisco na Encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum, menciona sobre a importância da participação quando se trata de uma problemática socioambiental, no seu:

«A visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada atual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um tesouro da humanidade. Por isso, pretender resolver todas as dificuldades através de normativas uniformes ou por intervenções técnicas, leva a negligenciar a complexidade das problemáticas locais, que requerem a participação ativa dos habitantes. Os novos processos em gestação nem sempre se podem integrar dentro de modelos estabelecidos do exterior, mas hão de ser provenientes da própria cultura local. Assim como a vida e o mundo são dinâmicos, assim também o cuidado do mundo deve ser flexível e dinâmico. As soluções meramente técnicas correm o risco de tomar em consideração sintomas que não correspondem às problemáticas mais profundas. É preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de compreender que o desenvolvimento dum grupo social supõe um processo histórico no âmbito dum contexto cultural e requer constantemente o protagonismo dos atores sociais locaisa partir da sua própria cultura. Nem mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano» (Laudato si’ § 144).

Ressalta que é imprescindível a participação dos atores locais envolvidos na problemática socioambiental, impedindo assim, a imposição de uma decisão que viole a cultura daquele povo, respeitando-se os seus símbolos e hábitos específicos.

No âmbito internacional, a democracia participativa ambiental restou marcada pelo Relatório “Nosso futuro comum” (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1988) - confeccionado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e apresentado à Assembleia Geral das Nações Unidas na década de 80, objetivando o desenvolvimento sustentável e a harmonização não só entre os seres humanos, mas entre a humanidade e a natureza. Prestigia um sistema jurídico que assegure a participação dos cidadãos no processo decisório.

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro de 1992, principal encontro mundial de Chefes de Estado, retoma a ideia de desenvolvimento sustentável. Desencadeou a criação da Agenda 21 e duas convenções: Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas e Convenção sobre a Diversidade Biológica. Com isso, a participação consolida-se, sendo reconhecida como um dos fatores indispensáveis à proteção ambiental e à obtenção do desenvolvimento sustentável.

A relevância da participação popular ambiental restou anunciada da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Este documento reafirma a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo, em 16 de junho de 1972. Ainda, tal Documento objetiva uma nova e justa parceria global, com acordos internacionais que: «respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento, reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, nosso lar» (Rio, 1992).

Veja-se o princípio 10 desta Declaração:

«A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos» (Rio, 1992).

A “Convenção sobre o acesso à informação, a participação do público nos processos decisórios e o acesso à justiça em matéria ambiental”, celebrada em Aarhus (1988), na Dinamarca, apesar de realizada no âmbito europeu, ultrapassa a esfera de interesse das partes contratantes. É o texto mais completo e atualizado sobre participação popular na defesa do meio ambiente, razão pela qual deve ser considerado.

O Brasil, por exemplo, alcançou o status de um Estado Democrático de Direito na Constituição Federal de 1988, portanto, todo o pensamento constitucional atual rege-se na perspectiva democrática. A Constituição Federal, no seu art. 1º, inciso II (Brasil, 1988), insere a cidadania no rol dos princípios fundamentais do Estado de Direito, e no seu parágrafo único prevê que «todo poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição». A expressão “diretamente” possibilita a democracia participativa e abre espaço para intervenção direta dos cidadãos nas decisões políticas. Importante referir que «(…) a democracia do Estado Constitucional concebe-se como poder popular fundamentado na constituição e não no poder fora da constituição» (Canotilho, 1994, p. 25).

III. Participação democrática e os seus subprincípios

Com base no Estado Socioambiental de Direito, surge a ideia de uma cidadania ambiental fundamentada na participação da sociedade civil na proteção ambiental. Fensterseifer (2008) propõe uma análise sistemática do fenômeno da participação democrática e cidadã na defesa do ambiente, com base em quatro subprincípios: participação, acesso à informação ambiental, educação ambiental e consumo sustentável. Estes geram condições para o surgimento de um novo sujeito político ativo e protagonista do seu destino existencial e do destino da espécie humana.

O princípio da participação democrática e cidadã na questão ambiental deve ser estudado de forma sistêmica, em conjunto com quatro subprincípios a que lhe são correlatos. A utilização integrada de tais princípios tem o condão de disponibilizar ao cidadão, de forma individualizada ou coletiva, mecanismos necessários ao exercício democrático no cenário político ambiental. Nesse contexto, Fensterseifer assevera que é propiciado condições para o surgimento de um novo sujeito político ativo e protagonista do destino de sua própria existência, além do destino da espécie humana (2008, pp. 120-142).

Por tais razões, serão analisados princípios que embasam a participação democrática e cidadã no âmbito ecológico.

III.1. Princípio da Participação Popular

A participação, por sua vez, significa «tomar parte em alguma coisa, agir em conjunto» (Fiorillo, 2011, p. 123). De certa forma, a Constituição Federal do Brasil traçou este objetivo na questão ambiental, tendo em vista a importância e a necessidade de ações conjuntas.

A Constituição Federal do Brasil (1988) dispõe sobre o tema o que segue:

Art. 225. «Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações».

Portanto, resta claro que o constituinte impõe o dever de preservação e defesa do meio ambiente, não apenas ao poder público, mas também à coletividade. Assim, participar para proteger o meio ambiente é, além de um direito, também um dever, nos termos do que dispõe Lei Fundamental.

E mais, assevera Fensterseifer (2008), que compete ao Estado a criação de instituições, procedimentos administrativos e judiciais que permitam a efetivação da participação popular para viabilizar a intervenção e o controle popular na tomada de decisões políticas ambientais.

No Brasil, a participação popular se estabelece nos três poderes, administrativo, legislativo e judicial. A despeito disso, Mirra (2010) cita como os seguintes exemplos de instrumentos legislativos: iniciativa popular de lei, sufrágio ativo e passivo, plebiscito, referendo e criação de partido.

Já como instrumentos da Administração Pública, cita a publicação de Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental, audiência pública, direito de petição, presença de representante da comunidade nos conselhos e órgãos colegiados de defesa do meio ambiente, Inquérito civil do Ministério Público.

Como instrumento processual, cita a Ação popular, Ação Civil Pública, Mandado de Segurança Individual e Coletivo, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Constitucionalidade, Mandado de Injunção, Ação Direta de Preceito Fundamental. Recente utilização: audiência pública judicial e amicus curie.

E, neste aspecto, cumpre registrar que o Supremo Tribunal Federal, em temática ecológica, tem designado audiências públicas para participação pública, a exemplo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 101 envolvendo a importação de pneus usados. Neste julgado, oportunizou-se em audiência pública a participação pública, nos termos do §1º do art. 6º da Lei nº 9.882/99.

A decisão da Relatora Ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 101 (p. 25), restou determinante para a realização de audiência pública: «A especificidade e a repercussão que abrangem o tema, somadas à necessidade de um exame mais acurado das razões e dos fundamentos veiculados na presente ação e melhor compreensão das questões aqui envolvidas».

Neste caso, por maioria, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 101 (pp. 5-6) restou parcialmente provida no sentido de reconhecer que a importação de pneus usados e remodelados afronta preceitos constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nota-se que a audiência pública restou relevante na decisão do julgado envolvendo situação complexa que gerava danos socioambientais graves aos brasileiros.

E mais, a Agenda 21 reservou o capítulo 27 para tratar sobre o fortalecimento das Organizações Não-Governamentais, caracterizando-as como «parceiros para um futuro sustentável». Relata que «as organizações não governamentais desempenham um papel fundamental na modelagem e implementação da democracia participativa» (1995, p. 377).

Com isso, a sociedade, os governos e os organismos internacionais têm o dever de desenvolver mecanismos formais capazes de permitir a sua participação em todos os níveis - seja na formulação política, seja na tomada de decisões e na implementação destas.

Além do mais, a Convenção de Aarhus (1988), Convenção da Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas, trata sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria ambiental. Prevê que o Estado deve afastar obstáculos que impeçam pessoas sem condições financeiras a ter acesso à justiça. Além do mais, reconhece o que acesso à informação contribui para uma maior mobilização da sociedade relativamente a questões ambientais, propiciando uma participação mais efetiva no processo de tomada de decisão e, inclusive, para um meio ambiente melhor.

III.2. Princípio da Informação

No que tange à informação, ressalta-se que este princípio está ligado à participação, já que os cidadãos informados é que podem ter oportunidade de exercer a este direito democrático (Dias, 2007, pp. 23-26).

A opinião pública, formada pelo acesso à informação, desempenha papel importante na proteção ambiental. Cidadãos bem informados têm melhores condições de atuar em sociedade e de articular seus desejos e ideias e de tomar parte nas decisões de seu interesse (Milaré, 2014, p. 219). Nesse trilhar, cumpre referir que, conforme Leite e Ayala, «só se conseguirão realizar as tarefas essenciais e prioritárias quando o Estado tiver a seu lado nessa missão a coletividade educada, informada e participativa» (2004, p. 44).

A informação visa à educação da pessoa e da comunidade. E mais, ela instrumentaliza a pessoa informada para se posicionar e se pronunciar sobre a matéria, consoante afirma Machado (2014, p. 123). As informações sobre o meio ambiente devem formar a opinião pública e, o mais importante, formar a consciência ambiental. Para Machado (2014, p. 125), o povo, que é o destinatário da informação, precisa opinar sobre as questões de seu interesse.

Na Laudato si’ ao tratar sobre diálogo e transparência nos processos decisórios assim dispõe o § 183:

«É sempre necessário alcançar consenso entre os vários atores sociais, que podem trazer diferentes perspectivas, soluções e alternativas. Mas, no debate, devem ter um lugar privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as finalidades que transcendem o interesse económico imediato. É preciso abandonar a ideia de intervenções sobre o meio ambiente, para dar lugar a políticas pensadas e debatidas por todas as partes interessadas».

Observa que a participação exige que todos os envolvidos possuam informação adequada a respeito de diversos aspectos e diferentes riscos e possibilidades, com o «sinceridade e verdade nas discussões científicas e políticas».

III.3. Princípio da Educação

Quanto à educação, encontra respaldo no art. 225 da Constituição Federal (Brasil, 1988), §1º. Inc. VI, o dever específico do Estado de «promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente».

A compreensão dos seus direitos e dos deveres do poder público auxilia no diálogo, na resolução de conflitos e postulação de melhorias na questão ambiental. A prática da educação pelas instituições competentes tem por finalidade informar e educar, assim permitindo uma ação direta ou mediante postulação junto a órgãos responsáveis (Sarlet & Fensterseifer, 2014, pp. 158-159).

A educação tem a capacidade de criar uma “cidadania ecológica”. Contudo, na Laudato si’, § 211, há uma crítica a respeito da educação ambiental atual: «limita-se a informar e não consegue fazer maturar hábitos». Refere ainda que não basta existir a legislação ambiental para limitar maus comportamentos, é indispensável motivação adequada voltada a mudança de condutas. Nesse sentido:

«A existência de leis e normas não é suficiente, a longo prazo, para limitar os maus comportamentos, mesmo que haja um válido controle. Para a norma jurídica produzir efeitos importantes e duradouros, é preciso que a maior parte dos membros da sociedade a tenha acolhido, com base em motivações adequadas, e reaja com uma transformação pessoal».

Ou seja, não basta a existência de legislação protetiva ambiental, mesmo que tenha estrito controle, para fazer cessar comportamentos que causem degradação ambiental. É primordial que haja uma motivação adequada e uma educação quanto à responsabilidade ecológica, o que se afiguram aptos a incentivar mudança de hábitos e condutas benéficas ao meio ambiente.

A participação se perfectibiliza com a informação e a educação, se ausente a informação de forma adequada, a participação não passa de mero ritual. Já a informação e a consequente participação se completam com a educação ambiental, a qual se apresenta como instrumento para ampliar a conscientização e a estimular quanto aos valores ambientais (Leite, 2011, pp. 187-188).

III.4. Princípio do Consumo Sustentável

Quanto ao consumo sustentável, vale trazer à baila o que dispõe o Princípio nº 8 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), o qual estabelece: «para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficas adequadas».

A Agenda 21 (1995) traz o capítulo 4 sobre «Mudanças dos Padrões de Consumo», o qual contém as seguintes áreas, a primeira «Exame dos padrões insustentáveis de produção e consumo», e a segunda «Desenvolvimento de políticas e estratégias nacionais de estimulo a mudanças nos padrões insustentáveis de consumo». Assinala a relevância em se atender para o consumo como causador de diferentes impactos ambientais e sociais.

Hannah Arendt (2001, p. 15) distingue homo faber (aquele que trabalha, faz) de animal laborans (aquele que vive). Descreve como «condições básicas mediantes as quais foi dada do homem a vida sobre na terra»: labor, trabalho e ação, cujas condições são respectivamente vida, mundanidade e pluralidade.

A partir de Arendt, Di Lorenzo (2017, p. 217) define consumo como «circunstância da mundanidade, já que o homo faber não fabrica sem a matéria, mas trabalha sobre». Nesta perspectiva, para ele tudo se torna instrumento para o trabalho e meio para a fabricação.

Ou seja, os fins servem não apenas para justificar os meios, mas para produzi-los e organizá-los. Neste sentido: «Justificam, produzem e organizam toda violência contra a natureza para a obtenção da matéria necessária. Tudo é ordenado a partir da finalidade, do produto final» (Di Lorenzo, 2017, p. 218)

Sobre a sociedade de consumo, Bauman afirma que ela visa satisfazer os desejos humanos, contudo a promessa de satisfação só permanece sedutora enquanto o desejo continua insatisfeito, mais importante ainda, quando o cliente não está «plenamente satisfeito» (2008, p. 28). Nesse sentido:

«Num mundo em que uma novidade tentadora corre atrás da outra a uma velocidade de tirar o fôlego, num mundo de incessantes começos, viajar esperançoso parece mais seguro e muito mais encantador do que a perspectiva da chegada: a alegria toda está nas compras, enquanto que a aquisição em si, com a perspectiva de ficar sobrecarregado com seus efeitos diretos e colaterais possivelmente incômodos e inconvenientes, apresenta uma alta probabilidade de frustração, dor e remorso» (ibid.).

Nesta linha, a felicidade e a qualidade de vida dos indivíduos inseridos na sociedade mercantilista dependem cada vez mais da satisfação adquirida no ato de consumir. Todavia, a busca pelo alcance da satisfação dos desejos humanos é constantemente renovada, tornando a necessidade de consumir uma constante das aspirações humanas e cria-se, dessa forma, um ciclo infinito.

Assim, para que a participação popular e cidadã seja consciente e eficaz, é necessário repensar este paradigma do consumo. E mais, requer a prática de um consumo sustentável comprometido ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

IV. Da participação democrática e suas respectivas limitações na superação da crise ecológica

IV.1. A crise ecológica e social

A crise ecológica contemporânea impõe uma participação ativa da sociedade. Não obstante, muitas vezes este exercício da cidadania sofre limitações, sem a observância adequada dos princípios que compõem a democracia participativa, dado a interesses particulares, de determinados grupos econômicos, diversos dos interesses ambientais.

Isso decorre em razão da ausência de consciência ética da sociedade, das instituições, do poder público e da humanidade em geral. Importante descrever alguns dos problemas enfrentados pela participação democrática ecológica no que tange à aplicação e seus princípios.

No que tange à participação pública, Mirra (2010, p. 145), afirma que no licenciamento ambiental e na elaboração, discussão e aprovação de Estudo de Impacto Ambiental, a participação em audiência pública não é vinculativa, contudo meramente consultiva, sem possui caráter deliberativo.

Além disso, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, previsto na Lei 6.938/1981, órgão colegiado consultivo e deliberativo, com poder regulamentar em tema ambiental, detém uma participação deficitária, consoante afirma Mirra (2010, pp. 135-136), já que mais de 2/3 dos integrantes pertencem ao governo. Diante disso, questiona-se a possibilidade da efetiva influência dos entes intermediários frente a questões ambientais. Contudo, na prática, apresenta-se como o principal meio participativo na esfera legislativa, ante a carência na utilização de outros meios, como iniciativa popular, plebiscito e referendo.

O princípio da informação, sob a ótica do Estado Socioambiental de Direito, é elemento importante ao pleno exercício da democracia participativa no âmbito ecológico. Para Fensterseifer (2008, pp. 125-126), o cidadão consciente e informado está apto a agir qualitativamente no processo político, envolvendo problemas ambientais, o que desencadeia a autonomia da sua condição política. Ocorre que, atualmente, a informação não se apresenta de forma ordenada e perfeita, mas complexa, razão pela qual somente o acesso a este princípio permitirá que o indivíduo e o grupo social tomem partido no jogo político.

A qualidade e quantidade de informação servem de base para medir a intensidade e verificar o tipo de participação popular. Nesse sentido, Machado (2006, p. 34) explica que nem todos têm o alcance da informação correta, mesmo assim podem participar, todavia a qualidade da participação estará abalada, visto que ocasiona “apatia”, bem como “inércia” dos sujeitos supostamente legitimados a participar.

E mais, a informação ambiental necessita da análise de duas dimensões distintas para a sua conscientização: a primeira caracteriza-se pelo acesso à informação propriamente dito, enquanto que a segunda caracteriza-se pelo falseamento de informações que os meios de comunicação produzem.

Alerta Fensterseifer (2008, p. 126) que os meios de comunicação são pagos pelos grandes empreendedores, portanto, facilmente a opinião pública poderá ser manipulada e alterada de acordo com interesses diversos do ecológico.

Ocorre que a participação pública, em especial na área ambiental, serve para legitimar as práticas e decisões legislativas e administrativas, o que vem a reforçar a confiança nas autoridades públicas e a aceitação das decisões (Sarlet & Fensterseifer, 2014, pp. 114-159). Assim, nessa lógica, diante de problemas enfrentados na participação democrática do Brasil, as decisões baseadas numa participação deficitária carecem de legitimidade.

E por outro lado, quanto ao princípio da educação, este não será eficaz se não for capaz de difundir, conforme Laudato si’, § 215, «um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza». Ao contrário, a educação permanecerá o “modelo consumista”, o qual é transmitido pelos meios de comunicação social e por mecanismos de mercado.

No que tange ao princípio do consumo sustentável, também sofre limitações, uma vez que, segundo Bauman (2008, p. 51), «a economia consumista se alimenta do movimento das mercadorias e é considerada em alta quando o dinheiro mais muda de mãos; e sempre que isso acontece, alguns produtos de consumo estão viajando para o depósito de lixo». De tal modo, é praticamente impossível conseguir dar uma destinação adequada para os resíduos que são produzidos diariamente em face do consumo.

Segundo a Laudato si’, atualmente existe um desequilíbrio atual:

«O ritmo de consumo, desperdício e alteração do meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta, que o estilo de vida atual - por ser insustentável - só pode desembocar em catástrofes, como aliás já está a acontecer periodicamente em várias regiões» (§ 161).

As futuras gerações sofrerão com o desequilíbrio atual, sofrerão as piores consequências. Inclusive, há quem entenda que o problema não se encontra no que se consome, mas na quantidade que se consome. Desse modo, as mudanças devem ocorrer no sentido de mudar o perfil do consumidor e da sociedade, alertando para a responsabilidade e para a questão ética destes em saber consumir corretamente e de maneira sustentável. Sobre o assunto, afirma Portilho (2003, p. 27):

«Ações individuais conscientes, bem informadas e preocupadas com questões ambientais aparecem como uma nova estratégia de mudanças em direção à sociedade sustentável. Especialistas, autoridades, políticos e organizações ambientalistas começam a considerar a co-responsabilidade de diversos atores, tanto coletivos quanto individuais, deslocando o foco, do lado do input para lado do output do sistema político».

Neste viés, o consumo na atualidade afeta diretamente o meio ambiente, sendo indispensável o fortalecimento da cidadania por meio da participação popular na questão ambiental, vislumbrando um consumo sustentável.

IV.2. Da Participação Democrática Cidadã como mecanismo de superação da Crise Ecológica

É imprescindível a tomada de consciência global da crise ambiental diante dos problemas atuais, sob pena de se esgotar os recursos naturais. Para isso, exigem-se mudanças nas estruturas da sociedade organizada.

Nesse aspecto, José Rubens Morato Leite (2011, p. 181) explica: «somente com a mudança para a responsabilização solidária e participativa dos Estados e dos cidadãos, com os ideais de preservação ecológica, é que será possível encontrar solução para a crise ambiental».

Ulrich Beck, sociólogo alemão, defende a tese da sociedade de risco no livro “Risksociety” (1992), cujo argumento central é que a sociedade industrial - caracterizada pela produção e distribuição de bens - foi suplantada pela sociedade de risco, na qual a distribuição dos riscos não corresponde às diferenças sociais, econômicas e geográficas. Acredita que o conceito de sociedade de risco está interligado ao de globalização, visto que os riscos são democráticos, afeta nações e classes sociais sem respeitar quaisquer fronteiras.

A humanidade passa por uma crise de desenvolvimento econômico conjuntamente com uma crise ambiental. O problema da destruição ambiental no mundo compromete a possibilidade de uma existência digna da humanidade e coloca em risco a própria vida humana. Contudo, o meio ambiente é o bem comum mais elementar, sendo dever de todos preservá-lo, assim, a sua conservação faz parte do rol de finalidades da atividade estatal. É «um meio - por definição - no qual as pessoas realizam seus fins. E é, ainda, um conjunto de bens essenciais à própria vida», como ensina Di Lorenzo (2012, p. 176).

A partir disso, acredita Teixeira (2006, pp. 101-102) que, mediante a «comunitarização de interesses» para manter um meio ambiente equilibrado (em um Estado que enfrenta os desafios da sociedade de risco, resultado natural da evolução tecnológica e da transição da sociedade industrial para a sociedade de risco), viável implementar a legislação brasileira no que diz respeito à questão ambiental. Logo, não basta a previsão legislativa, é primordial a consciência e educação dos povos no que tange à necessidade de preservação dos recursos naturais.

No Brasil, a proteção ambiental encontra amparo na Constituição Federal de 1988, inserindo-se no rol de direitos fundamentais. Para Benjamin (2011, p. 96), um dos benefícios substantivos da constitucionalização deste direito resulta na ampliação da participação pública. Não obstante, em sendo inexistente o questionamento coletivo, administrativo e judicial acerca das ações degradadoras ambientais, acredita que «qualquer garantia dada ao cidadão estará gravada com o símbolo da infecundidade e ineficácia do discurso jurídico».

Com efeito, é de suma importância a participação democrática na questão ambiental para a concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual tem por objetivo proporcionar melhor qualidade de vida a todos. Não obstante, os mecanismos de concretização nem sempre são efetivados de forma adequada, o que compromete a legitimidade das decisões advindas desta participação eivada de vícios.

Vive-se uma crise de paradigma, aliás, é na ausência de limites que o indivíduo se hipertrofia e consequentemente a crise ambiental se alicerça. Para Ost (1995, p. 9), não é possível mais discernir o que distingue o homem do animal, do que tem vida, da natureza, nem tampouco o que os une a eles, vivendo também uma crise de vínculo.

Considerando que a participação cidadã na área ambiental é fundamental para a superação da crise ambiental, exige-se uma conscientização humana, o que deve acontecer não somente por determinados grupos, mas de forma global. Impõe-se uma cooperação mediante a cogestão dos diversos Estados de forma intercomunitária na preservação da qualidade ambiental (Mateo, 1995, pp. 44-47). Segundo Léon Duguit (1996, p. 25) «o homem vive em sociedade e só pode assim viver; a sociedade mantém-se apenas pela solidariedade que une seus indivíduos».

Assim, para que a participação cidadã seja mecanismo de superação da crise ecológica é imperioso instrumentalizar adequadamente o cidadão e oportunizar o seu exercício. E mais, necessita-se uma aplicação mais efetiva deste direito para que este colabore na superação na crise ambiental, de modo a garantir uma melhor qualidade de vida à humanidade e um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A partir de tais considerações, percebe-se que a participação popular é importante para a superação da crise ambiental. Contudo, esta participação apresenta certas deficiências que comprometem o seu genuíno sentido. Por tal razão, o presente artigo faz uma abordagem do assunto sob uma perspectiva da ética ambiental.

V. Participação democrática e cidadã à luz de uma ética ambiental

A crise ambiental contemporânea exige princípios éticos que possam mediar os atos humanos em relação ao meio ambiente. No que concerne a problemas ambientais que afetam a humanidade necessita-se de uma ética ambiental. Na questão ambiental, a previsão legal não se mostra suficiente para impedir a degradação ambiental. Isso porque «quando é a cultura que se corrompe deixando de reconhecer qualquer verdade objetiva ou quaisquer princípios universalmente válidos, as leis só se poderão entender como imposições arbitrárias e obstáculos a evitar» (Laudato si’, § 123).

Na questão da participação popular é imprescindível a discussão a respeito da ética ambiental, a fim de que esta seja eficaz e capaz de atender aos verdadeiros interesses ecológicos. Isso porque as leis protetivas ambientais não se mostram suficiente para limitar comportamentos que afetam o meio ambiente, mesmo que apresentem um válido controle. Nos termos da Laudato si’, § 211: «A doação de si mesmo num compromisso ecológico só é possível a partir do cultivo de virtudes sólidas».

No Brasil, antes da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente era tutelado precariamente frente a lógica de inesgotabilidade dos recursos naturais. O meio ambiente era tratado como uma entidade de característica “robusta”, bem como “invencível”, com a aptidão de auto cura. O clamor por um meio ambiente ecologicamente equilibrado advém da Declaração de Estocolmo de 1972, cuja formação se afigura como mais um elemento da dignidade humana.

Canotilho e Leite (2011, pp. 128-129) esclarecem que aos poucos o sistema brasileiro passou a introduzir aspectos biocêntricos. A partir da Constituição Federal de 1988, a natureza passa a ser enfrentada como algo frágil, ameaçada pela conduta humana e pelo Estado, nesta perspectiva surgiram algumas obrigações ambientais.

Lógico que as mudanças jurídicas se deram também pela evolução no aspecto ético, biológico e econômico da problemática ambiental, além de uma visão mais ampla da Terra e da natureza. «Uma Constituição é, na sua essência, um emaranhado de atributos e valores éticos. Não seria diferente com o meio ambiente» (Canotilho & Leite, 2011, p. 129). Na visão ética, segundo os autores, a norma constitucional possui um caráter híbrido, pois adota aspectos antropocêntricos (proteção das «presentes e futuras gerações»), e outros biocêntricos («preservação»), ambas expressões dispostas no caput do art. 225. Asseveram-se (ibid., p. 130), ainda, que a Constituição possui padrões ecocêntricos.

Segundo os referidos autores, a Constituição de 1988 apresenta características de um antropocentrismo mitigado, já que o constituinte estabeleceu uma relação de obrigações com beneficiários que não se limitam a reduzida esfera do que se entende por humanidade. Além disso, não atribuiu diretamente direitos à natureza, porém «não hesitou em nela reconhecer valor intrínseco, estatuindo deveres a serem cobrados dos sujeitos-humanos em favor de elementos bióticos e abióticos que compõem as bases da vida» (Canotilho & Leite, 2011, pp. 130-131). Assim, exige-se «soluções mais integradas, mais ecologicamente equilibradas, que valorizam a interdependência jurídica das várias dimensões do meio ambiente - ar, solo, água, flora e fauna - bem como os processos que compartilham». O risco de medidas legislativas não integradas é que se transfira a degradação de um meio (como a água), para outro (como o ar ou solo).

No entanto, atualmente se faz necessário a participação democrática e cidadã à luz de uma ética de responsabilidade solidária que sirva de orientação ético-política apta a superar a crise ambiental, levando em consideração as futuras gerações. Neste sentido, o filósofo Karl-Otto Apel (1994, p. 172), defende «uma ética de responsabilidade solidária em face da crise ecológica da civilização técnico-científica».

Hans Jonas (2006), embasada uma ética ambiental no Princípio da Responsabilidade, norteada no agir humano na civilização tecno-científica. Jonas se preocupa com as futuras gerações e com a sobrevivência planetária. Explica que a cultura ocidental sempre comportou uma ética antropocêntrica e simétrica, que abarca apenas as relações entre as pessoas. Alerta sobre a necessidade de uma visão mais universal, que contemple todas as pessoas, englobando todos os seres humanos, a natureza e as gerações futuras.

Alerta Di Lorenzo (2017, p. 221) que há um consenso de que o antropocentrismo moderno influenciou diretamente na problemática ambiental. Contudo, ao desafio do antropocentrismo não se vislumbrou qualquer ordenamento ético capaz de responder de forma razoável ao problema ético ambiental. Há diversos tipos de proposições éticas ambientais na atualidade, porém a ética personalista, em oposição ao antropocentrismo utilitarista, propõe a centralidade da pessoa e não do indivíduo, o que por consequência, reconhece a dignidade de todas as coisas.

Na ética personalista, o ser humano passa a exercer o seu papel na ordem natural, na medida em que o seu domínio sobre a natureza ocorre como alguém que tem o dever de cuidado. Inclusive «a ética personalista é o único fundamento que permite um arcabouço que preencha o vazio posterior à quebra de paradigma antropocêntrico» (Di Lorenzo, 2017, p. 229). Com efeito, o personalismo insere o ser humano no seu lugar no cosmos, como decorrência da própria dignidade da pessoa, assim passa a assegurar não apenas a sua dignidade, mas a dignidade de todas as coisas.

A partir disso e frente aos problemas estruturais da participação cidadã, necessita-se de uma ética ambiental voltada à responsabilidade de todos em relação à natureza e ao dever de cuidado, com o reconhecimento do valor da pessoa e de todas as coisas. Assim, a observância desta ética se faz cogente não apenas por parte daqueles que exercem o seu direito de participação, sobretudo por parte dos grupos específicos e, inclusive, do poder público.

E mais, é preciso lembrar que as preocupações com o planeta são comuns a todos. Neste sentido, insta transcrever “Relatório Nosso Futuro Comum” (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1988, p. 29):

«Há uma só terra, mas não um só mundo. Todos nós dependemos de uma biosfera para conservarmos a nossa vida. Mesmo assim, cada comunidade, cada país luta pela sua sobrevivência e pela prosperidade quase sem levar em consideração o impacto que causa sobre os demais».

Assim, imperioso «revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras nem barreiras políticas sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença» (Francisco, Laudato si’, §52). Desta forma, exige-se mudanças na consciência de toda humanidade, principalmente de particulares, de grupos e do próprio poder público, a fim de que a participação na questão ambiental seja realmente eficaz e volte-se efetivamente a proteger aos interesses da casa comum.

Portanto, é fundamental condutas à luz de uma ética ambiental para alcançar mudanças planetárias por meio da participação democrática e cidadã na questão ambiental, já que «a sobrevivência e o bem-estar da humanidade dependem do sucesso em alcançar uma ética global para o desenvolvimento sustentável» (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1988, p. 345).

Com efeito, a participação democrática e cidadã necessita de mudanças sob a perspectiva de uma ética ambiental universal pautada na responsabilidade, no dever de cuidado. Ademais, precisa de uma ética ambiental que atente ao reconhecimento da dignidade de cada pessoa e de todas as coisas, tal como prevê o personalismo ético. Com isso, conclui-se pela possibilidade de uma participação na questão ecológica, a partir da análise do ordenamento jurídico brasileiro, mais eficaz e consciente.

VI. Conclusão

1. A participação democrática e cidadã, não resta dúvida de que é fundamental para a superação da crise ecológica. Não obstante, problemas enfrentados na estrutura desta participação democrática (informação, educação, participação e consumo sustentável) comprometem o próprio Estado Democrático de Direito.

2. A despeito disso, para superar a crise ambiental, é imprescindível que no contexto do Estado Socioambiental seja propiciado o fortalecimento da participação democrática, de modo que a informação seja transparente, sem manipulação em massa segundo interesses econômicos.

3. E mais, a educação seja capaz de produzir uma consciência ecológica eficaz, de modo a formar cidadãos aptos a participar e influenciar nas decisões socioambientais. Ainda, a participação seja adequada a atender interesses genuinamente ambientais, bem como a participação seja acompanhada de políticas públicas para uma conscientização de consumo sustentável. Além disso, a participação de indivíduos ou grupos seja acompanhada de comportamentos com fulcro no consumo sustentável.

Inclusive, o Brasil teve um exemplo positivo em que a participação em audiência pública influenciou visivelmente na decisão final no sentido de proteger o meio ambiente. De acordo com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 101 envolvendo o Caso dos Pneumáticos, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a importação de pneus usados e remodelados afronta preceitos constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

4. A partir disso, conclui-se que é primordial a concretização de uma participação democrática e cidadã eficaz e consciente para superar a crise ambiental e a contribuir para um meio ambiente ecologicamente equilibrado, apto a proporcionar melhor qualidade de vida.

6. Ademais, conclui-se que não basta a previsão legislativa da participação democrática e cidadã na questão ambiental - para que sirva de mecanismo para superar a crise ecológica - é primordial que esta participação supere as inúmeras debilidades existentes na participação democrática e cidadã.

7. Com efeito, o estudo visa demonstrar que é possível superar as deficiências da participação na questão ambiental, com fundamento em uma ética ambiental universal baseada na responsabilidade, no dever de cuidado da casa comum planetária, no reconhecimento da dignidade de cada pessoa e de todas as coisas. E mais, uma participação eficaz e consciente requer uma ética personalista, em oposição ao antropocentrismo utilitarista, a qual busca a centralidade da pessoa e não do indivíduo, reconhecendo a dignidade da pessoa e de todas as coisas.

8. Deste modo, conclui-se que o direito fundamental da participação na questão ambiental, a partir da análise do contexto jurídico brasileiro, necessita de uma ética ambiental universal que fortaleça a consciência de que somos uma única família humana, de que há uma só terra. A finalidade desta proposta é tornar a participação mais eficaz e consciente, o que se verifica fundamental na superação da crise ecológica.

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0Sumário. I. Introdução. II. Democracia participativa e cidadã na área ambiental. III. Participação democrática e os seus subprincípios. III.1. Princípio da Participação Popular. III.2. Princípio da Informação. III.3. Princípio da Educação. III.4. Princípio do Consumo Sustentável. IV. Da participação democrática e suas respectivas limitações na superação da crise ecológica. IV.1. A crise ecológica e social. IV.2. Da Participação Democrática Cidadã como mecanismo de superação da Crise Ecológica. V. Participação democrática e cidadã à luz de uma ética ambiental. VI. Conclusão. Referências.

Recibido: 12 de Diciembre de 2017; Aprobado: 01 de Marzo de 2018

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